
Arquivo para junho 19th, 2025
Hecceidade, pessoa e substância
A definição de Boécio de pessoa, uma de suas maiores contribuições é naturae rationalis individua substantia (pessoa é uma substância individual de natureza racional), adotado em parte por Tomás de Aquino, por que ainda permaneceu ligado a visão de essência vinda de Aristóteles, que está sempre ligada a questão do diverso (diversum) e do diferente (differens).
No Comentário à Metafisica (Aquino, 1995, p. 650-657), Metafisica é tópico em Categorias de Aristóteles, Tomás de Aquino afirma que o diverso (diversum) é o que é total absolutamente oposto ao mesmo, enquanto o diferente (differens) é parcial e relativamente oposto ao mesmo, assim sua ontologia é distante do Outro, e seu conceito trinitário é mais ligado a distinção (na Teologia três pessoas distintas em um só Deus).
Em sua Suma Teológica, em posterior comentário diz sobre a Trindade Santa que o Filho é outro (alius) em relação ao Pai, porém a ênfase é maior na distinção das pessoas que na comunhão, embora não a desconheça, o canto Tão Sublime Sacramento, foi composto por Tomás de Aquino sendo popular entre católicos.
É Duns Scotus que aprofunda o tema da “univocidade do ser”, a distinção formal e o conceito de “hecceidade”, superando a quididade, e salientando a individualidade de um ser, que não é apenas sua essência, mas também sua existência única e irrepetível.
Scotus visto como um realista moderado (essência e substancia do Ser), é o primeiro a pensar a sua individuação, e a entender também a comunicação trinitária com o divino sem abolir a substanciação, por isso classificamos aqui como ligação ontológica a questão do Ser, não cita ali, mas o divino na substância é seu “supra substancial”.
É também Scotus o primeiro a defender a concepção de Maria, mãe de Jesus, como sendo por advento totalmente divino, assim antecipou o dogma cristão/ortodoxo da Imaculada Concepção, que a igreja irá reconhecer com muita discrição muito mais tarde e também só agora no século 20, através do Papa João Paulo II ele foi reconhecido como “servo de Deus”.
O filósofo americano Charles Sanders Peirce foi bastante influenciado por Scotus,, e explica o realismo moderado do Doutor Sutil da seguinte forma:
” Além do pensamento, apenas coisas singulares existem. Mas existem no singular certas “naturezas” nem universais nem particulares, que constituem o fundamento da inteligibilidade. Nas coisas, essas naturezas são particulares, mas quando colocadas em relação com um ato do intelecto, elas se tornam universais … Assim, por exemplo, a superfície dura de uma pedra específica é determinada, enquanto a dureza universal que o intelecto apreende é indeterminada ou geral. Uma consequência dessa visão é que o indivíduo em si não é um objeto adequado de conhecimento. O que sabemos são gêneros e espécies, eles próprios produtos da ação mental” (Goudge, 1969).
Em Heidegger, o conceito de “Dasein” (o ser-aí, o ser humano) está intrinsecamente ligado à hecceidade. O Dasein é um ser-no-mundo que se manifesta através de sua existência singular e única.
Assim tanto a viragem linguística quanto a ontologia hideggeriana tem a influência de Scotus e aproximam o conceito de hecceidade.
Aquino, T. Commentary on Aristotle’s metaphysics. Notre Dame, Indiana: Dumb Ox Books, 1995.
Goudge, Thomas A. , The Thought of C. S. Peirce, USA, University Michigan, Dover, 1969, p. 99.