O céu pode falar
Sloterdijk supõe o tempo que através dos tempos os homens “fizeram deuses falarem”, assim diz também da “fala” de Jesus, e diz com propriedade histórica: “Por fim, esses que foram invocados em demasia também se deram a conhecer por meio da encarnação pessoal: algumas vezes tomaram a liberdade de recorrer a corpos aparentes que iam e vinham conforme lhes aprazia.” (pg. 22), é verdade e isto significa: Não usar o nome de Deus em vão.
Mas o raciocínio histórico ajuda melhor na outra alternativa do uso de “Deus”: “ … ou se condensaram “na plenitude do tempo”, em um Filho do Homem, em um Messias salvador. Depois que Ciro II, o rei dos persas famoso por sua tolerância religiosa, permitiu aos judeus que tinham sido levados em cativeiro para a Babilônia o retorno à Palestina no ano de 539 a.C., pondo fim a um exílio de quase sessenta anos … a elite espiritual dos judeus ficou muito mais receptiva a boas-novas de cunho messiânico — o Segundo Isaías deu o tom para isso.” (pg. 22).
Diz corretamente ao chamar “panegírico” (culto a um deus abstrato) de Ciro, ele não se converteu nem mesmo abandonou suas crenças em outros deuses, como “instrumento de Deus” ele libertou um povo, lembra o autor também Marcião que cultuava “o deus desconhecido” que vai fazer Paulo chamar os gregos de um povo religioso, porém afirma que o Deus conhecido é o que o apóstolo dos gentios (Paulo) o proclama na figura de Jesus, o Redentor.
A questão da redenção apontada por Sloterdijk do ponto de vista histórico, tem seu sentido pois são momentos que “céu se abriu”, mas o vê como um espetáculo onde “O estágio mais antigo de evidência de fontes sensíveis e suprassensíveis se mostra em forma de comoção dos participantes gerada por um “espetáculo”, um rito solene, uma hecatombe fascinante.” (pg. 24) e isto se repetiu através dos tempos, com grandes oradores e grandes “midiáticos”, mas será este o Deus verdadeiro, de Agostinho como o próprio Sloterdijk o cita (De Vera religione).
Ele também tem razão ao dizer sobre alguns que se julgam com dons “divinos”: “. Em geral, partia-se do pressuposto de que havia intérpretes capazes de associar um sentido prático aos símbolos codificados” (pg. 25), mas novamente não estes falsos oráculos que buscam holofotes.
Veja uma vez que Jesus pede a cura de um surdo/mudo de nascença (Mc 7,34-36): “Olhando para o céu, suspirou e disse: “Efatá!”, que quer dizer: “Abre-te!” Imediatamente seus ouvidos se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade. Jesus recomendou com insistência que não contassem a ninguém. Mas, quanto mais ele recomendava, mais eles divulgavam”, este pequeno detalhe que aparece em muitos milagres, não divulguem, ou seja, não é um espetáculo, não significa não fazer bem feito, no entanto, com sentido sagrado.
O sentido desta cura é mais profundo, além de fazer um mundo e surdo de nascença ouvir e falar, lendo trechos anteriores do evangelista Marcos encontramos a ideia absurda (presente em meios “religiosos” de hoje), usando a ideia mulher siro-fenícia cuja filha tinha um “demônio”, não é a ideia que uma doença ou alguma ocorrência ruim seja “castigo do céu”, pois é do coração do homem que saem as coisas “impuras”: maldades, cobiças, etc.
O Efatá dito para cura de um surdo-mudo de nascença é porque não é uma doença comum, alguém cuja vida e sistema cognitivo não foram ensinados a ouvir e falar, o fez imediatamente, o que é bem complexo, é mudar a mente.
Tempos sombrios, é preciso que surdos ouçam e mudos falem, pois há quem queira calar.
SLOTERDIJK, P. Fazendo o céu falar: sobre teopoesia. Trad. Nélio Schneider. 1a. ed. – São Paulo: Estação Liberdade, 2024.