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A amizade e o Outro

28 fev

Em um mundo individualista, onde as pessoas buscam bolhas onde todos “tem o mesmo pensamento”, a amizade parece ser o caminho do mesmo e não do Outro, pior quando isto é visto como religião, afaste as más amizade, quando na verdade o Outro será sempre diferente, não há “alma gêmea”, “metade da laranja” ou qualquer outro conceito idealista, o próximo no sentido religioso será sempre Outro diferente do meu espelho.

Aristóteles vai de encontro ao sentido bíblico do próximo para definir amizade: “a amizade perfeita é aquela que existe entre homens que são bons (ver post anterior) e semelhantes na virtude, pois tais pessoas desejam o bem um ao outro de modo idêntico, e são bons em si mesmos” (EN VIII, 1155/2021, p. 167).

Assim evitar “falsas” amizades é evitar um mundo sem virtudes e sem nenhum desejo de entendimento, assim oposto as definições idealistas de amizades, onde é há “afeto” entre narcisistas e egocêntricos.

Sobre amizades falsas Aristóteles alerta que não se revelam, nós é que tínhamos um conceito falso por interesse ou pouco conhecido, ele divide assim as amizades em três tipos: virtuoso (a principal de cima), a útil onde há interesses em comum e a agradável onde há um amo mútuo relacional, que torna capaz de suportar diferenças, mas quase sempre há conflitos.

Sobre a útil escreveu Paul Ricoeur em “Le socius et le prochain” (O sócio e o próximo), onde o próximo é um mundo onde o centro de relações pode ser de longa duração, mas mediado por circuitos coletivos complexos e anônimos, onde há interesses em comum, quando eles acabam a “sociedade” se desfaz.

A sabedoria bíblica sobre amizade pode ser encontrada no Eclesiástico 6,5-7: “Uma palavra amena multiplica os amigos e acalma os inimigos; uma língua afável multiplica as saudações. Sejam numerosos os que te saúdam, mas teus conselheiros, um entre mil.  Se queres adquirir um amigo, adquire-o na provação; e não te apresses em confiar nele”. 

Assim ressalta o conceito de empatia através de palavras amenas e reforça aquele conceito de Aristóteles que não “perdemos” amizade, não tínhamos um conceito correto sobre ele, no sentido bíblico “não te apresses em confiar nele”, e teus conselheiros “um entre mil” vemos a influência perversa de narrativas modernas de “coaching”, “influencers” e “ídolos”.

Encontrar a amizade exige sabedoria, num mundo de uma cultura rasa e de elaborações pouco profundas não é raro buscar segurança em “bolhas” artificiais e grupos que não entendem nem mesmo quais são os próprios fundamentos.

Um verdadeiro humanismo, uma verdadeira espiritualidade ou apenas “um caminho” precisa de um método, uma elaboração profunda e um exame detalhado das consequências.

ARISTÓTELES. Ética a nicômaco. Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2012

 

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