Arquivo para maio 9th, 2017
Entre a ideologia e a Utopia
A corajosa obra de Paul Ricoeur Ideologia e Utopia, publicada em 1986 e disponível na versão portuguesa em 1991, hoje também há edições brasileiras como a da Autêntica Editora.
A obra que Ricoeur ministrou na Universidade de Chicago, em 1975, e analisa os temas desde Mannheim, até Althusser, Weber, Habermas e Goertz.
No entanto ele foi primeiro a abordar a ideologia e a num dentro de um quadro conceitual, por isto acrescentei o “entre” porque na verdade navegamos livremente hoje entre estes dois modelos de uma nova sociedade, e a demanda por uma mudança existe, mal qual ?
A justaposição que Ricoeur supõe, e a intersecção que uso (o “entre”) é para desfazer o contraste entre ambas, ainda que resistam diferenças, conforme está na introdução: “a justaposição … define e demarca melhor ambas, e diferencia-as marcadamente de formulações conceituais anteriores, em que a ideologia tem sido posta em contraste tanto com a realidade, como com a ciência, e a utopia vista como um mero sonho, uma fantasia desejável … “ (Introdução, p. 16)
Embora seja inquestionável a relação entre Ideologia e Utopia, quanto ao fato de apontarem para um “futuro”, com estes conceitos acontece, o que com muitos outros que já foram chamados de irritantes por F. Dumond em les Ideologies, e confusionantes em Crítica da Comunicação Pura de Lucien Sfez.
Ricoeur ao fazer a releitura de Mannheim, Saint-Simon e Fourier, a utopia, não dica reduzida a pura patologia desconectada da realidade, mas promove um necessário afastamento crítico e fecundo da realidade, utopia como poesia para tornar a crítica mais humana.
Foi Marx que ao escrever “Do socialismo utópico ao científico”, sem que se questione o que era ciência em sua época e verificar seus equívocos, que tornou o utópico como algo irreal.
Esclarece Ricoeur na Introdução; “tipicamente, a ideologia tem sido um tópico para a sociologia ou para a ciência política, a utopia para a história e a literatura.” (idem, pag. 16)
O que Ricoeur faz ao realizar uma conjunção entre utopia e ideologia é aquilo que ele próprio chama de imaginação social e cultural, e é neste ponto que se insere o momento crítico na hermenêutica, propondo uma alternativa ao modelo fracassado que opôs ciência à ideologia, uma vez que a própria ciência é questionável hoje em sem modelo positivista e matemático.
O que podemos extrair do texto de Ricoeur, mais que a clareza teórica do que é de fato ideologia e utopia, é o fato que realiza um profundo diálogo com a psicanálise, a linguística, o estruturalismo, a crítica literária, as teorias sociais e a história, e fazendo deste “pensamento complexo” como reivindica Edgar Morin, um novo modelo para a consciência histórica, como a hermenêutica de Gadamer exige.
RICOEUR, P. ideologia e Utopia. Trad. Teresa Louro Perez. Lisboa, edições 70, 1991.