Arquivo para dezembro 10th, 2018
Aporética e maiêutica digital
No período pré-socrático, a filosofia chamada sofista tinha como pressuposto criar discursos para favorecer os governantes e isto logo levou a democracia grega a definhar e a um relativismo moral, Sócrates que viveu no séc. IV a.C. propôs um método para enfrentar isto que foi desenvolver a maiêutica, um método de perguntar que desenvolvia o logos.
Porém o estado aporético que de vivia era necessário mais que perguntar, um interlocutor devia abandonar seus pré-conceitos e o relativismo das opiniões exigia algo mais do que apenas perguntar, algo que fizesse um parto no pensamento novo, daí o nome maiêutica que era a arte de parir, assim não se tratava de “criar” conhecimento, mas de o parir.
Não há dúvida que o meio digital tornou-se torcidas de “opiniões”, a doxa como chamava os gregos, mas pode-se parir e indagar no meio digital ? é possível uma maiêutica digital, o caso não é apenas o modo como torcidas (claques em Portugal) se organizam, mas como são manipuladas por sofismas, hoje atualizada como “fake news”.
O sofisma existe na história, nunca deixou nem deixará de existir, em tempos digitais o problema é o processo viral, mas os grupos editoriais através de jornais e canais de TV já fizeram isto e sempre houve uma maiêutica que se contrapôs a manipulação aos fatos.
Retornemos ao método de Sócrates, este não tinha inicialmente saber algum, não fazia seus juízos segundo a tradição, os costumes, as opiniões, nem era dono de um episteme, ou um método elaborado, apenas perguntava, o problema hoje é que as questões são amplas e a modernidade já criou um saber “organizado” (no sentido sistemático e não como verdade), mas podemos usar isto para uma nova maiêutica digital, repelindo discursos equivocados.
Penso que não por acaso que a Inteligência Artificial esteja evoluindo, mas a inteligência prática, a phronesis unida a techné e a própria práxis (que é, portanto, uma parte da prática) poderão ajudar, então o discurso de Martha Nussbaum faz muito sentido.
Muita gente fala em manter o “foco” (mas ele pode estar errado) ou inteligência emocional, que desligada de uma sabedoria prática (a phronesis) pode cair em paralisia ou alienação.
Tudo o que temos hoje não é devido o mundo digital, embora afete o mundo, ele é um complexo meio e por isto é incorreto vê-lo como causa final ou inicial, nem mesmo foi a revolução industrial que causou isto, mas o conjunto de valores e sentimentos construídos na sociedade moderna, que nada mais são que uma forma de ser-no-mundo, um dasein como Heidegger mostrou.
Os recursos digitais parecem bem-vindos, mas ainda temos a barreira dos pré-conceitos, uma hermenêutica humana elaborada é necessária.