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Arquivo para maio 22nd, 2024

Espera de esperança é maior que a pressa

22 mai

Alguém escreveu que esperança não seria do verbo esperar, porém Alexandre Dumas escreveu: “toda sabedoria humana se resume em duas palavras: espera e esperança”, assim esperança se articula com espera como confiar com confiança, sinônimo de esperança, como já dissemos em outro post ela se opõe ao medo, a angústia e ao vazio do nihilismo moderno, temas já desenvolvidos na leitura de Byung-Chul sobre Heidegger.

Queremos reler a releitura de Han sobre a Espera ou contenção, o VII 2.3 que começa na página 302, como já dissemos anteriormente este é o ensaio mais longo do autor e talvez (eu penso assim) seus primeiros escritos realmente filosóficos, já que conjuga Heidegger com sua visão de Kant, Hegel, Derridá e Lévinas, este último parece ao gosto do autor.

Chul-Han afirma que este é a tonalidade afetiva inicial do autor, ao escrever seu poema de juventude, em 1910: “em frente ao portão do jardim de primavera / esperamos e escutemos / até que voem as cotovias / até que os cantos e os violinos / o murmúrio das fontes / os prateados / sinos dos rebanhos / se tornem coro universal de alegria” (Han, pg. 302 citando Heidegger), como diz o autor parece “cantada em imagens ingênuos” porém Heidegger tardio parece esperar “o dia do Ser” que também ressoa ingênua, mas “a espera em Heidegger não está ligada a uma data cronológica nem a um evento empírico” … é “um movimento singular, em uma (não) intencionalidade plana, em uma (não-) economia peculiar” (pag. 303), “não espera a reparação de uma deficiência” (idem).

No seminário sobre Heráclito, escreveu Byung-Chul ele faz a diferença entre esperar e ter esperança: “ter esperança sempre inclui contar com algo, enquanto esperar – se nos atemos à palavra – é atitude de conformar-se […] Ter esperança significa “ocupar-se firmemente com algo”, enquanto na espera há o resignar-se, a reserva” (pg. 304) assim penso, na esperança há uma confiança daquilo com que me ocupo.

Porém completa a ideia de espera com contenção, escreverá: paciência e espera são “traços básicos da contenção” (pg. 305), assim ela é articuladora frente a “ausência infinita da contraparte tangível”, “ela é o traço básico da serenidade”, a falta de serenidade contemporânea deve-se em grande parte a falta de espera, de contenção e paciência.

Existe assim uma articulação entre o “ainda não” e o “já”, assim “a espera de Heidegger não pode ser descrita como a intencionalidade de esperar até o fim” (pg. 306), “o nada se dá apenas na espera, que se distancia do impaciente pôr-diante-de-si, da intencionalidade da representação” (pg. 307), nisto Heidegger irá explicar como “a renúncia é uma medida contraeconomica”, afirma citado por Han: “A verdadeira renúncia – isto é, sustentada e lograda por uma tonalidade afetiva fundamental genuinamente expansiva -, é criadora e geradora. Ao permitir que sua posse anterior se vá, ela recebe, e não posteriormente como uma recompensa; suportar em luto a necessidade de renúncia do ceder é em si um recebimento” (Han, pg. 307 citando Heidegger).

O pensar aprende a agradecer aprendendo a renunciar, escreveu Han e citando Heidegger: “A renúncia é um agradecer no não se negar, ai reside a renúncia. Renuncia é ter de agradecer e, portanto, uma gratidão” (pg. 308), teorizamos aqui em inúmeros post a questão do poder, a renúncia é seu posto e oposto, “apenas o dom, que só é possível além da economia, torna o agradecimento concebível” (pg. 309) e assim é uma “retribuição simbólica” “um pensamento não econômico, que se distancia do “entendimento calculista” (pg. 309), “o pensamento grato questiona radicalmente a autonomia do sujeito sem instalar uma instância transobjetiva de poder” (idem) e conclui a “estrutura” “autônoma e transobjetiva restituiria a economia” (pg. 309).

Confiar é assim uma articulação da contenção da espera com paciência na esperança, quem confia é capaz de renunciar e agradecer, e tem nestes dons o seu pagamento.

HAN, B.C. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger. Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. Petrópolis: Vozes, 2023.