A ascensão humana e divina
Muitos são os exercícios e as formas que prometem ascese, formas de manter as energias físicas e mentais são úteis e importantes, porém a ascensão espiritual que é fonte de uma ascese verdadeira requer um treino moral, ético, pessoal e coletivo que nos coloque em um círculo virtuoso.
Ao criticar a sociedade moderna, como sociedade do cansaço, Byung-Chul Han lembra que a vida ativa deve ser complementada com uma vida contemplativa, que não significa ficar olhando para o infinito ou para o céu, é a meditação e o exercício coletivo de incluir o Outro, saber escutar a partir de um vazio interior, ou como pensa a filosofia um epoché fenomenológico.
Introduz a contemplação como: “Se o sono perfaz o ponto alto do descanso físico, o tédio profundo constitui o ponto alto do descanso espiritual. Pura inquietação não gera nada de novo” (HAN,2015) e depois a define como: ”A dúvida moderna cartesiana dissolve o espanto. A capacidade contemplativa não está necessariamente ligada ao ser imperecível. Justamente o oscilante, o inaparente ou o fugidio só se abrem a uma atenção profunda, contemplativa” (idem), portanto não é um exercício racional, mas um “espanto”.
Dizemos que é fenomenológico pelo que segue a definição: “No estado contemplativo, de certo modo, saímos de nós mesmos, mergulhando nas coisas”, isso lembra Husserl “volta as coisas mesmas” sem predefinições ou pré-conceitos, um verdadeiro epoché.
Depois do espanto o repouso: “Sem esse recolhimento contemplativo, o olhar perambula inquieto de cá para lá e não traz nada a se manifestar. Mas a arte é uma “ação expressiva” (Ibidem), e sem ele nossa civilização, afirma citando Nietzsche: “Por falta de repouso, nossa civilização caminha para uma nova barbárie. Em nenhuma outra época os ativos, isto é, os inquietos, valeram tanto”.
Esta inquietação prova as guerras, as disputas políticas mais atrozes, a zombaria em vez do diálogo e a análise atenta das propostas e necessidades sociais, não há “repouso” para que isto seja feito.
A ascensão divina, depois da ascese cristã que chega a paixão e morte, nossa civilização parece passar por isto como um todo, aparecem anjos que perguntam aos discípulos que ficam olhando para o céu (Atos 1, 10-11): “… continuavam olhando para o céu, enquanto Jesus subia. Apareceram então dois homens vestidos de branco, que lhes disseram: “Homens da Galileia, por que ficais aqui parados, olhando para o céu? Esse Jesus que vos foi levado para o céu virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu”, pararam um instante antes do “espanto” e do “repouso”.
A barbárie da pandemia, da guerra e uma escassez de alimentos que se anuncia exige “espanto”, aceitar que o mistério existe e o universo teve uma origem.
HAN, B.-C. A Sociedade do Cansaço (Burnout Society). Brazil, Petrópolis: Vozes, 2015. (pdf)