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A dor e o Ser

23 mai

Dissemos anteriormente, que o capítulo sobre o tema da Voz poderia ser o final, mas como Heidegger o via, e Byung-Chul Han foi fiel, ele é parte do desenvolvimento do Ser, ao falar da dor, assunto que também Han tratou em a “Sociedade Paliativa: a dor hoje” e já fizemos alguns posts, a maneira como tratamos a pandemia e agora as enchentes que atingiram milhares no vidas no Rio Grande do Sul, deve ser ponto de análise e compreensão, numa sociedade que não quer olhar este lado da vida: o sofrimento e a dor.

Não por acaso, Heidegger trata isto ao elaborar sobre Parmênides, onde a ontologia está reduzida ao Ser é e não-Ser não é, para uma lógica A e não-A, não havendo terceira hipótese, ali Heidegger fala de “certa morte (sacrificial) do ser humano: “Mas a forma suprema da dor é o morrer da morte, que sacrifica o ser humano pela preservação da verdade do ser” (pg. 321), assim não estão o sacrifício não é aqui, pois “o sacrifício tem em si sua própria essência e não precisa de objetivos nem de proveito? ” (idem).

No post anterior abordamos o sono idealista, aqui Han cita Foucault indagando “trata-se aqui de certa agonia despertar o pensamento de um “sono antropológico”?” (idem), talvez um despertar antropotécnico ou ainda como preferimos um despertar onto-antropotécnico, uma vez que o esquecimento do ser não é categoria filosófica apenas. 

Ao abordar o vazio do homem moderno, a partir também da leitura de Foucault, Han lembra que Heidegger ao retomar a categoria metafísica “subjectum” que em “sua essência é o homem moderno é o “sujeito” e é exatamente aqui que Heidegger “critica implicitamente o pensamento antropológico” (pg. 322), ela é segundo Heidegger: “a continuação do cartesianismo”, Han citando-o: “Com a interpretação do homem como subjectum. Descartes cria o pressuposto metafísico para a futura antropologia do todo tipo e orientação” (pg. 323).

Assim não é a oposição do homem ao ente, mas a oposição equivocada da modernidade à linguagem: “a preocupação pela linguagem seria preocupação pela morte. Devolver a linguagem ao homem significaria, portanto, devolver-lhe a morte, a sua mortalidade” (pg. 324), e também não se trata do ‘ser’ ou ‘não-ser’ do ser humano” (pg. 325-326).

Para Heidegger o sujeito se reflete no mundo; “a imagem do mundo é de certa forma sua própria imagem especular” (pg. 326), por isso ela esconde o ser, já a dor “dilacera a interioridade subjetiva. Não se perde totalmente. Á dor está associada uma concentração peculiar, que, no entanto, não se estabelece como uma interioridade subjetiva” (pg. 327), embora o autor e Heidegger não o digam é por isto que existe o “sono idealista”, subjectum e ente estão divididos, e “na dor, o pensar se concentra naquilo que dá a pensar … na dispersão concentrada da dor, o pensar voltando-se para fora aprende de cor o exterior – deste lado de cá do saber e da ciência, os quais possibilitariam um aprendizado interiorizante assimilador” (pg. 327).

É importante ressaltar a economia calculista vista por Heidegger: “A dor é do ´por´, não do ´devido a” … o luto não lamenta, não procura preencher o lugar que ficou vazio … o luto sem enlutar só é concebível fora da economia (VIII.3)” (pg. 328).

A dor não é a resignação da interioridade absoluta: “o sujeito que trabalha na identidade, retornando a si mesmo na sua interioridade, assimilando o mundo, é incapaz da dor” (pg. 329), enquanto outros pensadores pararam na angústia ou na busca pela diferença ou ainda pelo sujeito destinado a um “espírito absoluto”, Heidegger vê na dor uma “tonalidade afetiva fundamental da melancolia” (pg. 329), é a tonalidade do ser … da finitude … do pensamento finito, “é o traço idêntico que, como base certa maneira formal, sustenta toda tonalidade fundamental ocupada por algum conteúdo, o traço principal que, enquanto o mesmo, está na base do modo como respectiva afinação” (pg. 330).

Assim a dor, para Heidegger e suponho para Han (ele trata-a de modo um pouco diferente na sociedade paliativa), “a dor não é o olho que chora, ou o rosto contorcido pela fome ou pela tortura”, a dor abre um espaço em que o pensar se torna possível pela primeira vez … um espaço sem traços antropológicos, e do qual o sujeito desapareceu … pensar seria, um dom da dor” (pg. 331).

A conclusão deste tópico: “a fenda da dor arrasta a velada marcha da graça até um advento inutilizado da clemencia” (pg. 332), por isso veneramos o poder, a violência e a falta de visão da verdadeira paz, amor fora das bolhas, egoísmo e enfim falta de “clemência”, pode parecer assunto religioso só, mas é a busca da essência do Ser.

HAN, B.C. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger. Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. Petrópolis: Vozes, 2023.

 

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