Narrações de uma vida futura
Muitas são as visões e até profecias sobre a policrise contemporânea, ela extrapola o pensamento e chega até a vida social, a política e as guerras em escalada preocupante, mas a pergunta é quais a razões para ter esperança, e ao mesmo tempo aquilo que Edgar Morin chamou de “resistência do espírito” , nos trechos finais de A crise da narração de Byung-Chul, ele critica a política atual: “as narrativas políticas oferecem a perspectiva de uma nova ordem das coisas, pintam mundos possíveis … nós nos arrastamos de uma crise para a outra. A política é reduzida à solução de problemas. Hoje falta-nos justamente narrativas futuras que nos dão esperanças.” (Han, 2023, p. 132).
A solução de problemas pontuais e emergenciais são são a solução da crise, as “obras” podem ser visíveis e trazer popularidade aos governantes, mas deveriam ter tanto a perspectiva de longo prazo quanto noção que são as soluções de curto prazo implantadas com parcimônia que encaminham para respostas duradoras, sustentáveis e eficazes e conclui Byung-Chul: “toda ação que transforma o mundo pressupõe uma narração” (idem) e assim poucos são os casos de respostas imediatas que sejam de fato duradouras e eficientes.
Há uma narração bastante conhecida que uma jovem pergunta ao senhor que plantava tâmaras “por que o senhor perde tempo plantando o que não vai colher “, o senhor virou e respondeu: se todos pensassem como você, ninguém colheria tâmaras.
A ideia que as coisas podem ser rápidas e simples está no storytelling atual: como emagrecer sem esforço, como aprender este ou aquele trabalho complexo em poucas lições, como falar de maneira clara e simples de um problema com solução complexa e muitas outras formulas “mágicas” que pouco tem de imaginação e encantamento, são narrativas que visam venda e consumo de facilidades e de produtos cuja eficácia é questionável.
A primeira ideia então entender soluções a médio e longo prazo, segundo é desconfiar de soluções fáceis que não sejam duradouras e terceiro admitir que um problema complexo
necessita de uma narração mais demorada e de escuta silenciosa de diversas vozes e diversos ouvintes capazes de ouvir com paciência.
A um ditado bíblico que diz que o Reino de Deus é como um grão de mostarda (uma das menores sementes), você a planta, em anos ela cresce e vira uma árvore frondosa e só depende de sua própria natureza e de um tempo de espera.
Diz Byung-Chul Han em seu parágrafo final: “no mundo do storytelling, tudo é reduzido ao consumo. Isso nos cega para narrações, outros modos de vida, outras percepções e realidades” (p. 132-133).
Han, Byung-Chul. A crise da narração. Trad. Daniel Guilhermino. Petrópolis: ed. Vozes, 2023.