A ausência de equilíbrio e do Ser
Uma análise da cultura ocidental não pode ficar sem a compreensão da Ira, diversos autores analisaram a questão, Byung-Chul Han lembra que uma das primeiras palavras na Ilíada de Homero que começa assim: “Aira, Deusa, celebra do Peleio Aquiles o irado desvario, que aos Aqueus tantas penas trouxe, e incontáveis almas arrojou no Hades”, mas não é só.
Aristóteles define raiva como: ““um desejo, acompanhado de dor, de vingança percebida, em razão de uma desconsideração percebida em relação a um indivíduo ou seu próximo, vinda de pessoas das quais não se espera uma desconsideração” (2.2.1378a31-33) escreveu sobre Retórica, porém Peter em seu ensaio Ira e Tempo ressignifica esta visão psicanalítica que reduz o sentimento a uma mera válvula de escape para desejos não realizados e a redescobre como um conceito político do século XXI (imagem parte da capa).
Diz o autor “Enquanto a ligação entre espírito e ressentimento era estável – a exigência por justiça para o mundo – seja para além da vida terrena, seja na história que acontece – pôde se refugiar em ficções que foram aqui minuciosamente tratadas: na teologia da ira de Deus e na economia timótica mundial do comunismo” (Sloterdijk, 2021), que toma um tema polêmico.
O certo é que há ira dos dois lados, e não nelas não reside o “já” mas “não ainda” que tratou-se no post anterior, porque ambos pensamentos se acham filiados ao idealismo moderno, e esta é a critica central a Kant e ao idealismo alemão de Hegel, não apontam para uma justiça.
Nela há uma ausência da dor, que antecede a com-paixão, mais que ato de misericórdia (miseri cordis, do coração), é um ato de adesão e justificação das periferias existenciais, onde a dor da justiça reside, mas como existencial também reside nos corações desiludidos e cansados.
A contemplação e o já e não ainda, que atinge tanto a esfera terrena como a divina, exige uma vita activa que é aquele do equilíbrio psicológico, familiar e social que não exclui o outro, não raramente aqueles que defendem a justiça apenas terrena ou apenas divina, não tem uma ação pró-ativa que leve ao encontro da dor, amplamente analisado na “Sociedade paliativa” de Byung-Chul Han, eliminados a dor pela transferência ao “paraíso” terreno ou divino, sem nossa com-paixão.
O equilíbrio do Ser, que se já se realiza, mas não ainda (completamente), tem algo a dizer do justo, do bem comum e da paz.
SLOTERDIJK, P. Ira e tempo. Trad. Marco Casanova. São Paulo: Estação Liberdade, 2021.