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Além das dores, outra alegria

07 nov

Não há só cancelamentos de identidades e etnias, há também cancelamentos voltados às políticas que eliminam a fraternidade, a solidariedade e o amor.

Edgar Morin para falar da “salvação” escreveu: “A vida, a consciência, o amor, a verdade, a beleza são efémeros. Essas emergências maravilhosas supõem organizações de organizações, oportunidades inusitadas, e elas correm a todo instante riscos mortais. Para nós, elas são fundamentais, mas elas não têm fundamento” (Morin, 2003, p. 164).

Este tipo de cancelamento não é só o mais perigoso, é ele próprio um cancelamento da possibilidade de uma boa-nova: “O amor e a consciência morrerão. Nada escapará à morte. Não há salvação no sentido das religiões de salvação que prometem a imortalidade pessoal. Não há salvação terrestre, como prometeu a religião comunista, ou seja, uma solução social em que a vida de cada um e de todos se veria livre da infelicidade, do acaso, da tragédia. É preciso renunciar radical e definitivamente a essa salvação” (Morin, 2003, p. 164).

Morin cita outro autor fundamental para sua argumentação: “Como diz Gadamer, é preciso “deixar de pensar a finitude como a limitação na qual nosso querer-ser infinito fracassa, (mas) conhecer a finitude positivamente como a verdadeira lei fundamental do dasein”. O verdadeiro infinito está além da razão, da inteligibilidade, dos poderes do homem” (Morin, 2003, p. 164).

Como é este além da finitude pode ser escrito conforme o autor: “O evangelho dos homens perdidos e da Terra-Pátria nos diz: sejamos irmãos, não porque seremos salvos, mas porque estamos perdidos*. Sejamos irmãos, para viver autenticamente nossa comunidade de destino de vida e morte terrestres. Sejamos irmãos, porque somos solidários uns com outros na aventura desconhecida” (Morin, 2003, p. 166), e explica em nota de rodapé (*):

*Na verdade, a ideia de salvação nascida da recusa da perdição trazia em si a consciência recalcada da perdição. Toda religião de vida após a morte trazia em si, recalcada, a consciência da irreparabilidade da morte.

Cita Albert Cohen para explicar: “Que esta espantosa aventura dos humanos que chegam, riem, se mexem, depois subitamente param de se mexer, que esta catástrofe que os espera não nos faça ternos e compassivos uns para com os outros, isto é inacreditável” (Cohen, apud Morin, 2003, pgs. 166-167).

Assim fica seu apelo à fraternidade: “O apelo da fraternidade não se encerra numa raça, numa classe, numa elite, numa nação. Procede daqueles que, onde estiverem, o ouvem dentro de si mesmos, e dirige-se a todos e a cada um. Em toda parte, em todas as classes, em todas as nações, há seres de “boa vontade” que veiculam essa mensagem” (Morin, 2003, p. 167).

MORIN, E. e Kern, Anne-Brigitte. Terra-Pátria, trad. por Paulo Azevedo Neves da Silva. — Porto Alegre: Sulina, 2003.

 

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