
Por uma ascese espiritualizada
A expressão inversa criada por Sloterdijk é muito sugestiva: “uma ascese desespiritualizada” pois constata a realidade da vida interior humana, o homem descobre-se “abaixado”, e isto não é apenas como indivíduo e é também como sociedade, então busca “exercícios” para levantar-se e se por numa posição vertical, cria não uma espiritualidade, mas sim uma “sociedade de exercícios”.
Escreve assim Sloterdijk “Em uma palavra, nós tínhamos que falar sobre os incapacitados, sobre os com outra constituição, para encontrar uma expressão que articula a constituição geral de seres sob tensão vertical. “Você tem que mudar sua vida!” isso significa […]. Você deve prestar atenção para a sua vertical interior e examinar como a tração do polo superior age sobre você! Não é o andar reto que transforma o homem em homem, mas a consciência emergente do desnível interior que faz com que o homem se levante.” (Sloterdijk, 2009, p. 99).
Isto é parcialmente verdadeiro, porque de fato um homem com sua coluna reta não está só de pé, ele também se eleva e pode olhar de frente e mais alto o mundo ao seu redor, e até os exercícios podem ajudar, mas sem uma vida vertical “interior” os exercícios serão inúteis.
Na leitura antropotécnica de Sloterdijk, não são apenas as novas mídias (as anteriores radio, cinema e televisão já o faziam), mas o atletismo olímpico retomado em 1896, retoma a ideia do homem viril e superando marcas como um modelo do homem dos “exercícios” e isto foi de certa forma incorporado na espiritualidade moderna, “exercícios espirituais”, diz assim o autor:
“Sejam cristãs ou não-cristãs, elas [as religiões] formam materialiter e formaliter nada diferente do que complexos de ações interiores e exteriores, sistemas de exercícios simbólicos e protocolos para a regulamentação da relação com fatores superiores estressantes e poderes “transcendentais” – com uma palavra antropotécnicas de modo implícito.” (Sloterdijk, 2009, p. 139).
Sloterdijk (2006) já tinha mostrado no seu livro Zorn und Zeit [Ira e tempo], no contexto de uma psicologia política, como orgulho, ambição e vaidade contribuem para uma verticalização da vida social (sem a interior), porém seu discípulo Byung-Chul Han aprofunda criando a psicopolítica social.
Fazemos exercícios, nos “convertemos”, porém, a vida interior continua a mesma, saímos dos exercícios e voltamos a uma vida não vertical externamente: corrupções, mentiras pequenas e grandes, perversões, chegando a bebedeiras e drogas enfim um mundo desespiritualizado.
Uma verdadeira ascese tornaria o homem mais vertical, mais reto, com pavor de situações de desordem e desconforto humano (senão no momento, existe sempre uma cobrança física e mental nos pós euforia ou falsa alegria).
A filosofia oriental da ausência explica muita coisa, precisamos estar ausente para que venha uma verdadeira espiritualidade, este exercício sim é difícil e exigente, porém passado aquilo que é “apenas momento” eis que se transforma em espiritualidade vivida e vertical.
SLOTERDIJK, Peter. Du musst Dein Leben ändern. Über Antropotechnik Frankfurt, Suhrkamp, 2006. (versão original em alemão).