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O zoológico humano e a antropotécnica

30 ago

Numa conferência realizada em 17 de julho de 1999, que era dedicada a Heidegger e Lévinas, no castelo de Elmau na Baviera, o filósofo Peter Sloterdijk tratou de temas polêmico como a manipulação genética e lançou a ideia de uma “antropotécnica”, provocando fortes reações na Alemanha e também no Brasil no caderno Mais+ da folha de São Paulo “O novo zoológico do homem” foi destaque de capa em 10 de outubro de 1999.

As ideias do filósofo já haviam sido apresentadas em uma cidade Suíça da Basiléia, mas agora a reação era a relação do humanismo com os meios de comunicação, uma interpretação mais midiática do humanismo, que provocou reação do filósofo Habermas e de um articulista da prestigiosa revista alemão Der Spiegel, onde uma polêmica se iniciou com o articulista Thomas Assheuer que o indicava que Sloterdijk “propagandeia a seleção pré-natal e o nascimento opcional: técnica genética como crítica social aplicada .. traços de retórica fascistas” foi publicada na prestigiosa revista.  

Em 9 de setembro do mesmo ano Sloterdijk publicou na Die Zeit, duas cartas abertas uma dirigida a Assheuer e outra a Reinhard Mohr, que o atacou também, mas afirmando que o mentor destes ataques era Jürgen Habermas, e de modo ainda mais provocativo intitulou seu artigo de “Die Kritische Theorie ist tot”, traduzindo A teoria crítica está morta.

A polêmica cresceu e os artigos de Manfred Frank e Ernst Tungendhat publicados em 27 de setembro no Spiegel, fazia um dossiê do livro de Sloterdijk, as Regras para o Parque Humano já era um livro, trazendo na capa uma estátua no estilo de Arno Breker, escultor do III Reich, agrupando ícones de Hitler, Nietzsche e o Superman das histórias em quadrinhos, a ovelha Dolly e Lara Croft, uma heroína de jogos virtuais de computador, a polêmica se formou.

O ponto de partida de Sloterdijk não era esse, confesso que foi minha reação numa primeira leitura também, mas o seu ponto de partida era, e sua presença no colóquio dedicado a Heidegger e Lévinas provam isto, uma frase do poeta Jean-Paul no inicio do livro: “livros são cartas dirigidas a amigos, apenas mais longas”, um humanismo ligado a escrita.

Também a referência á humanitas de Cícero, uma oposição à selvageria e brutalidades que era os espetáculos no anfiteatro humano, mostra ao contrário de seus detratores, a preocupação com um pré-fascismo atual (ler o post de ontem), que vinha se desenhando e agora já é realidade em várias partes do planeta, e lembramos que o “humanismo nacional” do século XIX foi justamente onde se desenharam as duas guerras mundiais do século XX.

O que levou Heidegger a perguntar na sua Carta sobre o humanismo, e o livro de Sloterdijk é uma resposta, se uma manifestação cega de antropocentrismo levou a três concepções de confrontos trágicos do século XX: “o bolchevismo, o fascismo e o americanismo”, em sua resposta afirma Sloterdijk que o cristianismo, o marxismo e o existencialismo foram as três alternativas humanistas que “evitam a radicalidade última da questão sobre o ser humano” (Sloterdijk, 1999, p. 23).

A separação do homem em relação a natureza, e ao animal que na visão de Heidegger não +e a racionalidade, na imagem de Sloterdijk, Heidegger caminha entre eles como um anjo colérico em sua espada de fogo (idem, p. 25), marcando a clivagem ontológica entre o ser da biologia e o homem enquanto clareira do Ser, para quem o Ser se apresenta como Ser que escolhe para sua guarda, em sua busca para a “pacificação” que duas guerras mundiais sepultaram, e agora parecem esta no horizonte ao longe.

 

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