A possibilidade da clareira
Perscrutar e investigar o insondável é próprio do homem, porém há sempre a possibilidade do devaneio e de esquemas bem montados de pensamento que não levam a clareira, assim como um explorador na floresta, o risco de andar em círculos sem uma bússola, um rio de guia ou astros celestes são essenciais.
Isto ocorre desde os primórdios, alertava Heráclito em um fragmento “A φύσις gosta de se ocultar”.
A φύσις (“Physis kryptesthai philei”) foi deixada sem tradução porque ao pé da letra seria physis, mas isto era para os gregos a própria natureza e o que hoje está separado dela como Ser, a dicotomia em sujeito e objeto.
Em Heidegger, a verdade é este fundamento abissal, oculto mas possível de ser desvelado, isto está ligado neste autor pelo vínculo entre o ser e a verdade como sem-fundo, fundamento abissal, o insondável, porisso exploramos nos posts da semana passada a metáfora, ao contemplar o ser, isto se torna inefável.
O que poder-se-ia chamar de excesso ontológico nada mais é que o mistério do ser, sua escatologia sem fundamento único, ele nem é um fragmento do universo, nem é o próprio, parte dele e incógnito como ele.
A verdade é geralmente pensada como correção, concordância de enunciado com a que que enuncia, ou de uma coisa com o que já foi pensada previamente dela, uma hipótese que se procura torná-la verdade.
Pode-se pensar no relativismo, mas é exatamente o contrário, para Heidegger a verdade é sempre a verdade, a experiência de verdade, de Platão a Husserl, foi sempre uma adequação das representações, tentando escapar das metáforas, com a essência das próprias coisas.
Assim a verdade não é ser descobridor, mas é ser descoberto, o Dasein (ser aí) está aberto para si mesmo e para o mundo, e só nele pode-se alcançar a originalidade do fenômeno da verdade, o que os gregos chamaram de Alétheia, e que Heidegger vai além propondo ser instauradora do pertencer de Ser-homem.
Este é o sentido de originalidade do Ser, pensa o ser em seu sentido primordial como “presentar”, Ser é ser no presente, nele se desvela,
Assim o único sentido que poder-se-ia pensar a dialética como ontologia é aquele no qual o “traço básico do próprio presentar é determinado pelo permanecer velado e desvelado”, é o Ser em movimento.
A razão que estamos presos ao velamento do Ser (o seu esquecimento como dizia Heidegger) é a prisão a esquemas lógico-racionais que aos quais a verdade é ligada ao ente e desligada do Ser.
HEIDEGGER, Martin. Alétheia. Os pensadores. São Paulo : Abril Cultural, 1985, p. 126.