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Agostinho e a filosofia
A obra mais conhecida de Agostinho de Hipona é Confissões, mas sua mais profunda é De Trinitate, escrita “aos poucos” traz suas meditações mais profundas filosóficas e teológicas.
No prefácio da edição lusófona de Trinitate, de Agostinho de Hipona (digital da LusoSofia.net e brasileira da editora Paulinas, 2007) José M. da Silva cita o filósofo Maurice Blondel, nos seus Carnets Intimes:
“Nada se conhece quando não se ama. (…) Para que exista verdadeira unidade e vida imanente, vinculum sub stantiale, é preciso que o espírito de unidade e de amor penetre secretamente na intimidade dos seres e aí opere a realidade, o ser. E o ser é sempre uma presença de Deus. Mais do que um conhecimento, mais do que uma produção, o ser é amor.” (AGOSTINHO, 2007, p. 9)
O prefaciador lembra também que nos primeiros textos, De Ordine, II, 16, 44, encontra a afirmação, que torna Agostinho um precursor da teologia negativa, de que “Deus melhor se conhece ignorando” (de summo illo Deo, qui scitur melius nesciendo). E para não se pensar que é apenas um asserto temporão e pontual, muito dependente do apofatismo neoplatónico (Plotino e Porfírio), atente-se na afirmação incrustada no ‘coração’ de De Trinitate, VIII, 2, 3:
“Não é conhecimento de somenos (paruae notitiae pars) quando, deste abismo (de profundo isto), aspiramos a essas alturas se, antes de podermos saber o que é Deus (quid sit deus), pudermos saber já o que não é (possumus iam scire quid non sit).”
Postamos, lendo a filosofia oriental através de Byung-Chul Han o “caminhar”, Boécio (leitor e tradutor de Porfírio) também ao ler Agostinho de forma semelhante, segue seu programa educativo de “viajar” não por um caminho longe, mas para dentro de si mesmo, interrogando- se sobre a ação terapêutica, na prisão de Pávia, onde escreveu “Consolações filosóficas”.
Anselmo de Canterbury (1033-1109) e Thomas de Aquino (1225-1274) também o leram, e formam uma tríade escolástica de onde se pode conceber tanto uma filosofia quanto uma teologia, parte importante para entender a epistemologia, a metafísica e ontologia moderna.
Hannah Arendt fez sua tese de doutorado sobre “O amor em Santo Agostinho” (1926) e a influência em seu pensamento é clara quando desenvolve “A condição humana” (1958).
Outra influência atual, digna de destaque é Wittgenstein (1889-1951) em suas Investigações Filosóficas lembra uma passagem das Confissões de Agostinho que se imagina como aprendeu a língua quando criança: “Se os adultos nomeassem algum objeto e, ao fazê-lo, se voltassem para ele, eu percebia isto e compreendia que o objeto fora designado pelas sons que eles pronunciavam, pois eles queriam indica-lo” (WITTGENSTEIN, 1958, §1).
Essa passagem por singela que parece denota as questões do nominalismo x realismo, do sujeito x objeto e por ultimo da viragem linguística, movimento contemporâneo relevante.
Aos bons leitores de filosofia, despreconceituosos e interessados na profundidade do pensamento Agostinho de Hipona permanece uma leitura atual fundamental e necessária.
AGOSTINHO, St. Confissões, 9a. ed. Trad. J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina. Petrópolis: Vozes, 1988.
AGOSTINHO, St. De trinitate, livros IX e XIII, Tradutores : Arnaldo do Espírito Santo / Domingos Lucas Dias / João Beato / Maria Cristina Castro-Maia de Sousa Pimentel, LusoSofia:press, Covilhã, 2008.
WITTGENSTEIN, L. Philosophical Investigations. New York: McMillan, 1958. (GEM Ascombe, Trans.)