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Arquivo para maio 7th, 2025

Espiritualidade oriental e a violência

07 mai

Ao analisar os efeitos da ausência, livro de Byung-Chul, ele continua discordando da visão funcionalista de F. Jullien, ao citar os parágrafos §§68 e 69 pode a primeira vista tratar da questão da eficácia, mas não é, ele pode “utilizar a energias dos outros sem esforços”, e cita o § 69 como uma interpretação funcional: “Laozi também aplica esse princípio ao âmbito da estratégia: um bom militar não é “belicoso”, isto é, como interpreta o comentador (Wang bi, §69), ele não se põe em perigo e não ataca. Em outras palavras, “quem está em condições de derrotar o inimigo não inicia nenhum combate com ele” (Han, 2024, p. 29 citando F. Jullien).

Assim um bom líder militar, afirma Han, apenas cuida que o inimigo não encontre caminho de ataque, faz pressão, mas “sem que ela se concretize totalmente”, e em seguida cita aquilo que Jullien vê como formulações paradoxais: “partir em uma expedição sem que haja uma expedição”, ou “arregaçar as mangas sem que haja braços”, ou “lançar-se à luta sem que haja um inimigo”, ou “segurar firmemente sem ter amas” (§ 69)” (Han, p. 30 Jullien analisando as citações de Laozi).

A contradição está acima da questão da vitória ou derrota, Han lembra que Jullien omite a última frase do §69 que é “o enlutado vence” (ai zhe shen, 挨着生) a outra contradição é entre a concepção de luto que Laozi usa o símbolo ai li usado em ritos funerários no sentido “de ficar de luto” (ai li, 哀禮), “lamentar” (bei, 悲), “chorar” (qi, 泣).  (HAN, 2024, p. 31)

O vazio budista kong (空) é muito próximo do vazio taoísta xu (哀), ambos são ausentes até se tornarem um não eu, um ninguém, um “sem nome” (idem, p. 31), já tratamos isto noutro post.

Por fim explica que o xu do coração no sentido oriental não tem interpretação funcional, é um sentimento não um cálculo ou um raciocínio, utilizará para isto a figura do espelho vazio, de Zhuang Zhou (diferente radicalmente do espelho animado de Leibniz explica), ele não precede, mas acompanha, citando Zhou:

“o ser humano mais elevado utiliza seu coração como um espelho. Ele não persegue as coisas nem vai em direção a elas: ele as reflete, mas não as segura […] ele não é um senhor (zhu, 生) do conhecimento. Ele se atenta aos mínimos detalhes e, no entanto, é inesgotável e reside além do eu. Ele aceita todas as coisas que o céu oferece, mas ele as tem como se nada tivesse” (Han, 2024, p. 32).

O zen-budismo também gosta da figura do espelho, lembra Han, nele se ilustra a não retenção (outra forma de ausência) do coração vazio (wu xin, 無心), que no ocidente seria um “não possuir”, “não querer” e espiritualmente um fazer um vazio na alma para “ouvir o coração”.

Não alimentamos nossa alma se não fazemos um vazio, o cardeal africano Robert Sarah em seu livro “A força do silêncio” lembra a ruidosa sociedade ocidental e o vazio existencial que ela penetrou, é famosa sua frase: “No silêncio não só nasce a caridade genuína, mas faz o homem ser mais parecido com Deus”, embora por caminhos diferentes é possível aproximar estas espiritualidades.

Byung-Chul Han citando o mestre budista Bi Yän Lu usando a metáfora do espelho: “somente quem reconheceu a nulidade do mundo e de si mesmo também vê nele a eterna beleza” (HAN, 2024, p. 33, citando Bi Yän Lu).

HAN, B.C. Ausência: sobre a cultura e a filosofia do extremo oriente. Trad. Rafael Zambonelli. Petrópolis, RJ, Vozes, 2024.