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A vida doméstica e sua ascese

27 mai

Lembro que também a palavra economia vem de oikonomia, que significa “casa” ou “domicilio”, que significa “regra” ou “administração”, assim administrar bem a casa é sua origem.

Lembramos da clareira de Heidegger e que Sloterdijk a trata também no sentido da teoria: “um tipo de lazer doméstico em suas antigas definições, assemelha-se a um olhar sereno para fora da janela: ela é sobretudo uma questão de contemplação” (Sloterdijk, 2000, p. 37).

Assim as janelas seriam clareiras das casas nas paredes (na foto casas primitivas nas rochas), por trás das quais as pessoas podem pensar e sonhar e acrescenta: “também os passeios a pé, nos quais movimento e reflexão se fundem, são derivados da vida doméstica.

Mas como a vida doméstica dá origem a clareira, explica Sloterdijk: “estamos tocando apenas no aspecto mais inofensivo da humanização das casas. A clareira é ao mesmo tempo um campo de batalha e um lugar de decisão e seleção … deve-se decidir no que se tornarão os homens que as habitam; decide-se, de fato e por atos, que tipo de construtores de casas chegarão ao comando” (Sloterdijk, 2000, p. 37) e por isto há batalhas.

Parte então para Nietzsche, na terceira parte de Assim falou Zaratrustra, sob o título “Da virtude apequenadora”, que vê as casas como estes ambientes significam abraçar modestamente uma pequena felicidade e a chama de “resignação”, “a virtude é para eles aquilo que torna modesto e domesticado: com ela fazem do lobo um cão, e dos próprios homens os melhores animais domésticos para os homens” (Nietszche apud Sloterijk, 2000, p. 49).

É preciso lembrar que Nietszche vem de uma família luterana e de uma mãe pietista que o marcou profundamente.

Assim pode-se dizer que foi Nietszche o primeiro a tratar da “domesticação” e conforme observa Sloterdijk, “leu com a mesma atenção Darwin e S. Paulo e vê como outro ambiente da domesticação humana o escolar, “um segundo horizonte, este mais sombrio” (p. 40), e o próprio Sloterdijk tem um diagnóstico que é “provável que Nietzsche tinha ido um pouco longe demais ao propalar a sugestão de que a transformação do homem em animal doméstico foi o trabalho premeditado de uma associação pastoril de criadores, isto é, um projeto do clero…” (p. 42).

Vi um documentação de Carl Sagan famoso pela série Cosmos falando da riqueza e do universo de uma biblioteca, e Sloterdijk fala que isto não foi apenas questão de um “alfabeto”, “a leitura (lesen) teve um imenso poder de formação humana – e, em dimensões mais modestas, continua a tê-lo; a seleção (auslesen) contudo – seja como for que tenha sido levada a cabo – sempre funcionou como a eminência parda por trás do poder” (Sloterdijk, 2000, p. 43).

Assim lição e seleção, palavras próximas no alemão, tem um papel fundamental na formação da “casa”, da coabitação, e saber ler e escrever teve um papel central na atual cultura, e as reflexões de Platão sobre a educação e o Estado “faz parte do folclore pastoral dos europeus”.

Só será reencontrando o ambiente doméstico (o oikos) uma saída para a grave crise civilizatória.

SLOTERDIJK,  P. Regras para o parque humano: uma resposta à carta de Heidegger sobre o humanismo. Trad. José Oscar de Almeida Marques. São Paulo: Estação liberdade. 2000.

 

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