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Arquivo para setembro 20th, 2024

Por uma ontologia política

20 set

Diversos autores falam do que é poder, desde os clássicos contratualistas (Hobbes, Locke e Rousseau), passando pelas leituras modernas de Marx, Weber, Tocqueville, Bobbio e Norbert Elias, até Byung-Chul Han (psicopolítica) e Foucault (biopolítica), mas Hannah Arendt foi além ao vislumbrar uma ontologia política e escapa completamente do pensamento hegeliano.

Em seu livro do final dos anos 1960 (e portanto, a maturidade de Arendt), ela critica a “nova esquerda” que pensava em lutar contra um mundo ameaçado pela destruição nuclear e dominado pelas grandes administrações estatais e elas seriam responsáveis pela violência e em última análise a essência de todo poder, escreve sobre as origens deste equívoco:

“Se nos voltarmos para as discussões do fenômeno do poder, rapidamente percebemos existir um consenso entre os teóricos da política, da esquerda à direita, no sentido de que a violência é tão-somente a mais flagrante manifestação do poder. ‘Toda política é uma luta pelo poder; a forma básica do poder é a violência’, disse C. Wright Mills, fazendo eco, por assim dizer, à definição de Max Weber, do Estado como o ‘domínio do homem pelo homem baseado nos meios da violência legítima, quer dizer, supostamente legítima’ “. (Arendt, 2001, p. 31)

Para a autora, seguindo a tradição greco-romana, este conceito fundamenta o poder no consentimento e não na violência, assim numa relação de mando e obediência.

A autora constata que este conceito é “um triste reflexo do atual estado da ciência política” (p. 36) e uma identificação natural da tradicional entre visão de poder e violência, já que “poder, vigor, força, autoridade e violência seriam simples palavras para indicar os meios em função dos quais o homem domina o homem; são tomados por sinônimo porque têm a mesma função” (idem) e não raro se observa esta “virilidade” desde a Grécia até hoje.

Para a autora “o poder corresponde à habilidade humana não apenas para agir, mas para agir em concerto. O poder nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e permanece em existência apenas na medida em que o grupo conserva-se unido. Quando dizemos que alguém está ‘no poder’, na realidade nos referimos ao fato de que ele foi empossado por um certo número de pessoas para agir em seu nome” (p.36).

Para a autora é preciso rever estes conceitos: poder, vigor, força, autoridade e violência, uma vez que “violência não identificaria qualquer ato coativo, mas apenas aquele que opera, no caso das relações sociais, sobre o corpo físico do oponente, matando-o, violando-o, enfim, parece descrever apenas o uso efetivo dos implementos” (pg. 37) e assim a guerra.

Arendt fala de “isonomia” onde Chul Han fala de “simetria”, conceitos parecidos, e assim o poder é de fato aquele que “emerge onde quer que as pessoas se unam e ajam em concerto, mas sua legitimidade deriva mais do estar junto inicial do que de qualquer ação que então possa seguir-se” (p. 41, com destaque feito no meu texto).

Assim é preciso uma ação de “unidade”, de “serviço” e na melhor das hipóteses como aquele que serve à comunidade e não o que e serve dela, e para isto precisará sempre da violência.

ARENDT, H. Poder e violência Rio de Janeiro, Relume Dumará, 2001.