O sentido da dor e da Cruz
A morte nos causa dor, medo e até mesmo desespero; diante de uma pandemia ela revela aspectos de tragédia, ansiedade e apreensão, e tudo que podemos fazer para evitar uma dor maior fazemos, mas alguns vão além e se preocupam e se doam para reduzir a dor alheia.
Este é um significado humano, porém o divino vai além que significa ser capaz de doar a própria vida, ou pô-la em risco por amor ao Outro, só neste limite é que entendemos de fato o significado.
Teilhard de Chardin depois de admitir que a cruz significa uma “evasão para fora deste mundo” (p. 114), vai nos explicar que é justamente ela (no caso presente o medo da morte pela pandemia, “que exatamente o caminho do esforço humano, sobrenaturalmente retificado e prolongado. Por termos compreendido plenamente o sentido da Cruz, já nos não arriscamos a pensar que a vida é triste e feia. Simplesmente tornámo-nos mais atentos à sua indizível seriedade” (pag. 115).
Por isso pensamos nos dias felizes que podíamos andar livremente e saborear os ares da cidade, ver as praias agora proibidas de serem frequentadas, os almoços alegres em família, mas é por esta perda que olhamos agora com outros olhos cuja cegueira não podia permitir.
Como seria belo um domingo de Páscoa com toda família, ou simplesmente sair para ver dias alegres de outono no hemisfério sul ou início de primavera no hemisfério norte, mas é esta dor e esta terrível pandemia que nos faz “trocar os óculos”, também no aspecto espiritual.
Assim ressalta Chardin: “ a cruz não é uma coisa in-humana, mas super-humana. Vemos bem que a origem da Humanidade atual a Cruz estava erguida à frente da estrada que leva aos mais altos cumes da criação”, teremos que repensar a vida caseira e a social depois desta pandemia.
Convida-nos Chardin ao mistério: “aproximemo-nos mais. E reconheceremos o Serafim inflamado do Alverne (foto), aquela cuja paixão e cuja compaixão são “incendium mentis”*. Para o cristão, não se trata de desaparecer na sombra da Cruz, mas de subir na luz da Cruz” (pag. 116).
Aproveitar esta noite da pandemia para por luz na “noite da cultura”, na “noite de Deus” e na “noite dos sentidos” que parecia fazer-nos suprimir toda sensibilidade à vida humana e ao Outro.
Vivamos bem estas três “noites” para alcançar uma Páscoa (passagem) para toda humanidade.
*incendium mentis – David Grummet diz que em Chardin é “fogo do amor divino em nossa alma”.
Chardin, T. O meio divino. Lisboa: Editorial Presença, s/d.