Os tempos de ira e as virtudes
Tempos sombrios de política, de ameaças de guerra e de pandemia não ocultam totalmente as veredas da clareira, ainda que seu verdadeiro significado seja discutível, nem o renascimento e nem o iluminismo foram de fato “clareiras” e Sloterdijk tenha revisto a clareira de Heidegger, é possível em tempos de ira enxergar virtudes que levam a clareira.
Sloterdijk em seu livro/ensaio “Tempo e Ira”, aponta a exaustão dos modelos tradicionais dos processos políticos, argumento a partir de uma revisão histórica dos grandes impactos políticos mundiais, invertendo a biopolítica preconizada por Foucault para uma psico-política social.
Aponta afetos que chama de “timóticos”, em especial a ira, assim como seus derivados degenerados, o ressentimento e a vontade de vingança, por exemplo (mas podem haver outros como a incitação ao ódio), tornam-se a força motriz fundamental da história e da política, assim se trata de mobilizar estas forças, e os populistas o fazem bem, para mobilizar a população.
A virtude, as boas propostas e o apelo ao diálogo parecem perder força, entretanto, o próprio autor aponta que os ecossistemas psíquicos (entre eles o moral) podem produzir estes “afetos”.
Escrito em 2006, o autor já mostrava que a ira cujo capital é justamente a ira mundial dispersa e passível de mundialização, produz uma onipresença cultural que chama de “metafísicas da desforra”, mas não desenvolve que os tipos de “afetos” morais podem ser uma força oposta.
Não foi sem esta força que os gregos desenvolveram os conceitos de cidadão da pólis, não foi sem o encontro com o humano (excessivamente antropocêntrico é verdade) que o renascimento fez um reencontro com o humanismo, depois do seu desenvolvimento moderno, agora me cheque.
As virtudes parecem heroicas, impossíveis e quase desprezíveis, o roubo da coisa pública, o diálogo e o respeito de fato a democracia (a polarização favorece os ditadores), parecem não dar outra saída porem as virtudes existem e elas são passíveis de nossa humanidade (Na pintura de Giotto: A alegria das virtudes, 1303-5).
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Não se trata apenas da figura feminina, das forças raciais e dos inúmeros esquecidos da política, o importante é destacar que uma virada social, precisa ser composta de virtudes morais e sociais.
A figura da mãe, foi desenvolvida até pelo escritor Máximo Gorki em seu histórico livro “A mãe”, que não significa outra coisa senão a geração das boas virtudes, também daquelas que geram as justiças sociais e a paz entre os homens, a Maiêutica grega, Sloterdijk talvez faz alusão a “matris in grêmio” (no colo da mãe) em suas esferas.
Em termos bíblicos, a figura de Maria, esquecida por alguns e até desprezada por parte dos cristãos, não é outra coisa senão a lembrança que de seu “parto” vem uma redenção, uma salvação e não por acaso ela é vista como toda virtuosa.
O trecho bíblico em que Maria conta a prima Isabel que estava grávida de Jesus é claro na saudação da prima (Mt 1, 42-43): “Com um grande grito, exclamou: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar? , sendo ela humana (e divina por participação na parição) está ao nosso alcance.
SLOTERDIJK, P. O tempo e a ira. São Paulo: Estação Liberdade, 2006.
SLOTERDIJK, P. Esferas I: bolhas. São Paulo: Estação Liberdade, 2016