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Razão e divisão

16 mai

Como dito no post anterior, o sujeito do idealismo “não tem medo”, afirma Byung-Chul “neste espaço sem sombras de transparência, evacuado pelo raio da certeza, não há surpresa nem medo” (pg. 263), o autor relê também Descartes que “projetou a partir de sua necessidade insaciável de segurança é estéril, fantasmagórico e inabitável” (pg. 263) e essa “compulsão pela segurança” conduz ao obscuro, e mesmo a correção de Kant que se salva ao “repelir” e “reinterpretar” a imaginação (pg. 266).

Mas lembra Byung-Chul que Kant na sua Fundamentação da Metafísica olhou para a dimensão desconhecida da existência humana, o “desconhecido inquietante” embora esteja preso na “dedução subjetiva” que conduz ao obscuro, e reconhece “que nos sintoniza com os terrores do abismo” (Han citando Kant, pg. 267) e que no “horror interior” “que todo mistério carrega consigo” (pg. 267) e que é nesta “nudez da angústia” que transforma a vulnerabilidade do sujeito.

Em Ser e tempo, explica Han, “a angústia não leva o ser-aí à proximidade da amplitude extática que vê no Heidegger tardio”, nem a proximidade da “alienação” a partir “da coragem para o abismo”, e conclui Han: “a angústia arranca a existência da ordem doméstica da “completude relacional”, levando-a para a “região”, para o “mundo como tal”, mas em seu centro reside o si mesmo” e aqui explica a angústia: “A angústia só conduz a hipertrofia do si mesmo” (Han, pg. 268).

Heidegger fez uma descoberta ontológica essencial, onde está a ruptura do sujeito “o ser-aí é o que chama e o chamado a um só tempo […] o que chama é o ser-aí que […] se angustia por seu poder ser” (Han citando Heidegger, pg. 269), nisto acontece “um solilóquio de negociador”, mas é conduzida entre dois eus, ou seja, entre o si mesmo impessoal e o seu autêntico” (pg. 269), esta divisão ocorre tanto no interior do ser-aí como na reação com os outros, “por angústia perante a voz do outro, o ser-aí tapa os ouvidos” (pg. 269).

Assim esta divisão ou desunidade surge no interior do homem, e é nesta “estranhez do estar em suspenso, em que o ser-aí pode se aproximar de uma crescente carência de fundamento” (Han citando Heidegger, pg. 270), é “na angústia que ocorre certa epoché”, a suspensão de juízo fenomenológica de Husserl professor de Heidegger, nela a rede de referências, tecida pela finalidade do “para quê”, a totalidade relaciona e sua implicação intersubjetiva desmoronam, em minha conclusão aqui, nela nasce e vive a unidade.

Esta conclusão que não é de Heidegger nem de Byung-Chul é possível porque escreve este último: “elas são de certa forma “postas entre parênteses”, o Impessoal “neutro” e sua “ditadura” são “inibidos”, este “desmoronamento do mundo” (Han, pg. 270), reduzem o “ser-aí a uma esfera solipsista do ser, esfera do “puro ´fato de que …” da própria e isolada condição do estar lançado” (pg. 270), é “o resíduo do epoché, o eu autêntico, marca o centro de gravidade do ´aí, do qual o mundo que escorreu deve ser recuperado do nada ou deve ser preenchido explicitamente com a “estabilidade do eu” (Han, pg. 271).

Esta divisão fruto da razão impede uma verdadeira ontologia, veja que Heidegger chega a usar a palavra “ditadura” da certeza, do si mesmo, do império da pura razão onde não há espaço para o enigma, a dúvida, o mistério e a completude do ser, aí ele fica reduzido a “angústia”, parte da vida, mas na qual o ser-aí não deve parar, nem “desmoronar”.

A razão ou a crítica da razão pura, não se esgotam em si mesmas, nela reside a angústia, elas precisam da incerteza, do mistério e da vida plena “interior”.

HAN, B. C. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger (Heidegger’s heart: on the concept of affective tonality in Martin Heidegger). Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. Petrópolis: Vozes, 2023.

 

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