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A diferença, as guerras e as calamidades

27 mai

Toda leitura nos posts recentes sobre “O coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger” de Byung Chul Han não é mero exercício filosófico, até porque a filosofia para ter retornado aos sofismas de modo mais sofisticado: a narrativa, é porque a ausência de percepção da dor exacerba a dificuldade em entender a dor do outro e a diferença.

Escreveu sobre a dialética de Hegel: “Heidegger usa a palavra ´diferir` para descrever o movimento trágico-dialético da diferença”, e abre aspas: “Mas, na verdade, em Hegel o ente não existe mais, pois todo ente se dissolveu no movimento do conceito absoluto” (pg. 414), e acrescentou: “A “diferença como diferença”, o “diferir”, é o ponto cego da metafísica” (pg. 415), e assim: “A différance é mais contenciosa do que a diferença de Hegel” (pg. 415) e isto explica como o pensamento idealista é mais aferrado a ressaltar sua diferença política do que capaz de entender o verdadeiro significado de tratar o diferente, em especial os excluídos, os inocentes nas guerras, e as dores de uma trágica enchente se torna mais um jogo no campo do poder, que atingir o coração daqueles que podem socorrer as pessoas atingidas.

A diferença “não se articula em “contradições” que existem no espaço da identidade, mas trabalham para manifestações da identidade” (pg. 415), assim trabalham a dor.

Byung-Chul opõe Hegel além de Heidegger também a Derridá, “a diffferance mantém a discórdia […] sem jamais formar uma terceira expressão”, “mantem o contencioso, “sem jamais dar motivo a uma solução nos moldes de da dialética especulativa” (Han, pg. 416 citando Derridá), e diz “o puro jogo da diferença não é nada, nem sequer se relaciona com seu próprio incêndio” (pg. 417), veja o destaque de Han para a cultura ocidental do “relacionamento”, mas a sagacidade do alemão-coreano chega lá: “A subjetividade se produz sempre em um movimento de ocidentalização” (pg. 417).

A busca da “dialética especulativa” é por uma síntese ontoteológica ou ontoteleológica, diria mais a última já que deus de Hegel é inventado, aquele de um absoluto abstrato, mas não distante do Deus triunfante do maniqueísmo, expresso não só nas justificativas de guerras e na différance, o deus ocidentalizado também julga, condena e exclui e faz das leituras sagradas um jogo de conveniência, o luto, a dor e o sofrimento não tem espaço, tudo é poder, alegria e consumo, o reino na mesmice proclamando differance.

“Em torno de que gira a dor de Derridá?”, pergunta Byung-Chul, “Em torno da falta de um nome sagrado?” (pg. 424), diriam os que sim pois nem mesmo o Absoluto, ou o Todo podem ter uma resposta ontológica, talvez entelógica (no sentido de puro ente), mas o autor aponta seu luto como “provavelmente” como a differance, é banal (Derridá diz banalidade).

É a nosso ver, a incapacidade de luto, de renúncia, de compreensão da dor que nos impede de uma visão completa do todo como sagrado, não nos causa luto as mortes inocentes das guerras, das catástrofes naturais e o respeito das diferenças, sem um Sagrado que referencie estes valores, criamos uma coisa, um ente que o substitua.

Han, B.C. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger. Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. Petrópolis: Vozes, 2023.

 

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