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O desencantamento do mundo e a esperança

10 jun

A guerra é o ápice do desencantamento, mas ela se reproduz nas narrativas, nas intolerâncias e pequenas guerras do dia a dia que provocam a expulsão do Outro, principalmente quando há interpretações e visões diferentes do que são os “fatos”, mas se valem de pequenas guerras ocultas em suas narrativas e num contexto restrito onde ela é válida.

O desencantamento do mundo, agora retomado pela crise da narração de Byung-Chul Han, já foi tema de Max Weber que referiu-se ao fenômeno como um processo no qual o sujeito moderno passou a se despir de costumes e crenças baseados em tradições herdadas ou aprendidas sob os pilares fixos das religiões ou da “magia”, nada mais convergente com Han, porém é importante entender como isto penetrou na linguagem.

Para ser coerente com o tema, o capítulo final da Crise da narração (há outro em sei que é o Storyselling, mas opto pela resistência do espírito), o qual postamos anotações a semana passada, começa com a narração de Peter Nadás, de uma aldeia que se reunia ao redor de uma grande pereira selvagem, e ali contam história uns aos outros, ela forma uma comunidade narrativa “que carregam valores e normas, vinculam intimamente valores e normas” (Han, 2023, p. 121), nela a aldeia se entrega a “contemplação ritual”.

Nadás fala ao final de seu ensaio: “anda me lembro como, nas noites quentes de verão, a aldeia costumava cantar baixinho […] sob a grande pereira selvagem […] Hoje não há mais dessas árvores, e o canto da aldeia emudeceu” (Há, 2023, p. 122 citando Nadás), e “essa comunidade sem comunicação dá lugar à comunicação sem comunidade”.

Ele imagina como outros autores, cita até a Pax Eterna de Kant, porém também sua filosofia construiu a narrativa moderna, e diz como sonhou Edgar Morin e imagina um universalismo radical “uma família mundial” para além da nação e da identidade (pg. 125) e diz “a poesia eleva cada indivíduo por meio de uma conexão peculiar com todo o resto” citando Schriften Novalis, e esta comunidade narrativa rejeita a excludente narrativa da identidade.

“A ação política em sentido enfático pressupõe uma narrativa” (pg. 126) e pressupõe uma coerência narrativa, relembra Hannah Arendt “pois a ação  e o discurso, cuja estreita interrelação na concepção grega de política já discutimos [neste blog também], são de fato as duas atividades que, em última instância, sempre resultam em um história, ou seja, em um processo que, por mais arbitrário e por acaso que seja em seus eventos e causas individuais, ainda assim tem coerência suficiente para poder ser narrado” (Han, 2023, p. 127), lembro em posts anteriores a ideia de Arendt também utilizada por Byung-Chul de vita activa e vita comtemplativa.

Do capítulo final aproveito o seu “Viver é narrar. Os seres humanos, como animal narrans, diferem dos animais por serem capazes de realizar novas formas de vida por meio da narração. A narração tem o poder de um novo começo” (pg. 132) que é um sinal de esperança para a humanidade em uma crise crescente.

Han, Byung-Chul. A crise da narração. Trad. Daniel Guilhermino. Petrópolis: ed. Vozes, 2023.

 

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