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A forma e o conteúdo

01 ago

A filosofia moderna separou a forma do conteúdo, assim como se separa um rótulo de um ingrediente que existe num frasco, mas isto vem da compreensão reduzida do que é a matéria, o hylé dos gregos, cujo pensamento na terminologia aristotélica interliga-os no hilemorfismo (ὕλη, hýle = “matéria”; μορφή, morphé = “forma”).

Para que isto tenha um alcance antropológico, necessário ao discurso da diversidade cultural, é preciso ligar ato e potência, como o fez Tomás de Aquino, onde matéria não é aquilo que hoje designamos assim (como a substância por exemplo), mas sim aquilo que é como possibilidade ou em potência, escrito assim por Tomás: “matéria est id quod est in potentia” (matéria é aquilo que é em potência) (TOMÁS, ST I q.3 a.2 c), em termos atuais, enquanto se não é ato, é apenas um dado.

Assim o ato é a existência de fato, ou a atuação em si, ou seja, “forma est actus (forma é ato) (ST I q.50, a.2, obi.3), assim deixamos nos moldar por ideias, ações e pensamento que podem ser mais profundos ou mais rasos, fundados apenas em algumas palavras.

Assim a articulação dos binômios potência x ato e matéria x forma é deste modo, “matéria não é senão potência, já a forma é aquilo pelo qual algo é, pois é o ato” (TOMÁS, ScG II, c.43), estas categorias dão uma distinção da metafísica fundamental, e antropologicamente significam que uma coisa é a possibilidade de existir ou atuar: potência ou matéria, outra coisa é de fato existir ou atuar: ato ou forma.

Algumas teologias modernas querem separar corpo e alma, isto é sem fundamento escatológico e bíblico, senão a figura humana de Jesus seria dividida em duas: a divina e a humana, que estariam em oposição e lutariam uma contra a outra, e por isto que a antropologia cristã deve ser rigorosamente unitária, como o é em Tomás de Aquino.

A existência de um corpo na condição humana é a união entre a potência e o ato, entre a matéria e a forma (vista neste novo aspecto ligada ao conteúdo e essência), sem a sua existência de fato (forma) o corpo nem sequer existia, mas só a possibilidade de existir (em potência) o faz existir em ato, esta unidade é radical, já que a condição necessária para sua existência é o corpo, assim espiritualidade não é só “corpo” há uma essência nele.

É fundamental para compreender a antropologia cristã, escrita de forma clara por Tomás: “O ser humano não é apenas alma, mas algo composto de alma e corpo” (TOMÁS, ST I q. 75 a 4c), se por um lado nem todo materialismo (que não é hilemorfismo) nega a existência da alma, muita má teologia procura negar a existência do corpo, é a relação dualista moderna, cristalizada em objetividade e subjetividade, no qual ambas saem mutiladas, assim não foram “moldadas” com um espírito novo.

Segundo Tomás de Aquino, os corpos vivos humanos e a existência de fato (forma, chamada também por ele de alma intelectiva) é imortal, ao contrário dos demais corpos vivos não humanos, cuja existência tem início e fim, não o fim escatológico, mas o fim finalista de uma interrupção, pois todos os humanos morrem, e para ele a morte é explicada como uma deficiência provisória pela qual passamos apara uma existência imortal e ultrapassamos a deficiência radical do corpo vivo através da morte.

A metáfora do oleiro que transcende a análise simplista de simples adesão (Jr 18, 3-4): “Fui à casa do oleiro, e eis que ele estava trabalhando ao torno; quando o vaso que moldava com barro se avariava em suas mãos, ei-lo de novo a fazer com esse material um outro vaso, conforme melhor lhe parecesse aos olhos”, somos moldados e é bom escolher o oleiro.

TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica São Paulo: Loyolla, 2001-2006. 8 v.

 

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