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A dor e o divino

08 ago

O capítulo do livro sobre a Voz no “O coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva” de Byung-Chul Han, esta  Voz poderia ser final (o capítulo também), mas como Heidegger a via se tratava mais de uma Voz interior do que uma relação com o divino, e Han lhe foi fiel, para ele é parte do desenvolvimento do Ser, também ao falar da dor, assunto que Han tratou em a “Sociedade Paliativa: a dor hoje” (fizemos alguns posts), lembrando a maneira como tratamos a pandemia e outro flagelos numa sociedade que não quer olhar este lado da vida: o sofrimento e a dor.

Não por acaso, Heidegger trata isto ao elaborar sobre Parmênides, onde a ontologia está reduzida ao Ser é e não-Ser não é, para uma lógica A e não-A, não havendo terceira hipótese, ali Heidegger fala de “certa morte (sacrificial) do ser humano: “Mas a forma suprema da dor é o morrer da morte, que sacrifica o ser humano pela preservação da verdade do ser” (Han, 2013, pg. 321), assim não estão o sacrifício não é aqui, pois “o sacrifício tem em si sua própria essência e não precisa de objetivos nem de proveito? ” (idem) e assim isto deveria se encaminhar por algo além do terreno, do apenas humano.

Han citando Foucault indaga que “trata-se aqui de certa agonia despertar o pensamento de um “sono antropológico”?” (idem), talvez um despertar antropotécnico ou ainda como optamos um despertar onto-antropotécnico, uma vez que o esquecimento do ser não é categoria filosófica apenas, há algo nela transitório, não infinito e não aberto. 

Ao abordar o vazio do homem moderno, a partir também da leitura de Foucault, Han lembra que Heidegger ao retomar a categoria metafísica “subjectum” que em “sua essência é o homem moderno é o “sujeito” e é exatamente aqui que Heidegger “critica implicitamente o pensamento antropológico” (pg. 322), ela é segundo Heidegger: “a continuação do cartesianismo”, Han citando-o: “Com a interpretação do homem como subjectum. Descartes cria o pressuposto metafísico para a futura antropologia do todo tipo e orientação” (pg. 323), as categorias sujeito e objeto são próprias da modernidade.

Assim não é a oposição do homem ao ente, mas a oposição equivocada da modernidade à linguagem: “a preocupação pela linguagem seria preocupação pela morte. Devolver a linguagem ao homem significaria, portanto, devolver-lhe a morte, a sua mortalidade” (pg. 324), e também não se trata do ‘ser’ ou ‘não-ser’ do ser humano” (pg. 325-326).

Para Heidegger o sujeito se reflete no mundo; “a imagem do mundo é de certa forma sua própria imagem especular” (pg. 326), por isso ela esconde o ser, já a dor “dilacera a interioridade subjetiva. Não se perde totalmente. Á dor está associada uma concentração peculiar, que, no entanto, não se estabelece como uma interioridade subjetiva” (pg. 327).

Embora o autor e Heidegger não o digam é por isto que existe o “sono idealista”, onde subjectum e ente estão divididos, e “na dor, o pensar se concentra naquilo que dá a pensar … na dispersão concentrada da dor, o pensar voltando-se para fora aprende de cor o exterior – deste lado de cá do saber e da ciência, os quais possibilitariam um aprendizado interiorizante assimilador” (pg. 327).

É importante ressaltar a economia calculista vista por Heidegger: “A dor é do ´por´, não do ´devido a” … o luto não lamenta, não procura preencher o lugar que ficou vazio … o luto sem enlutar só é concebível fora da economia (VIII.3)” (citado em Han, pg. 328).

HAN, B.C. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger. Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. Petrópolis: Vozes, 2023.

 

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