Arquivo para abril 3rd, 2015
A paixão de Cristo para ateus
Li e depois reli, sempre com algum preconceito, o livro de Nietzsche “O anticristo”, na primeira leitura era materialista e
fazia a leitura de Nietzsche como “irracionalismo”, e recentemente como cristão porque seria apologia ao maior “inimigo” da salvação humana.
Deveria ter lido primeiro “O Nascimento da Tragédia ou helenismo e pessimismo”, mas na verdade perdi o preconceito quando conheci Oswaldo Giacóia Jr e ele me explicou a vida de Nietzsche, em especial, de seu pai pastor luterano e sua mãe pietista, isto explica muita coisa.
Pode ser pretensioso, mas penso que se pode lê-lo a partir do estético, uma vez que afirma: ”Só como fenômeno estético, podem a existência e o mundo justificar-se eternamente.” (NIETZSCHE, 1992, p. 47) e esta talvez seja uma parte essencial do seu pensamento e lembro aqui o escritor Victor Hugo: “A arte salvará o mundo”, veja o que pensa da tragédia grega.
O que isto tem a ver com a paixão de Cristo, é sua análise do papel do “coro” na tragédia, e diz que o problema torna-se grave em Eurípides ao excluir o coro, destrói a tragédia e ao fazer intervir a razão, elimina uma de suas peças tudo que não seja encontrado na vida, mas existe o coro. Foi assim que muitos o entenderam como “irracionalista”, mas a razão está em xeque.
Mas ao eliminar completamente o coro, Eurípides não considerou a função cognitiva, qual seja, aquela de saber o que o herói estava pensando e assim por ele, mas eliminou a própria a informação era transmitida ao público. Jacques Rancière apronfundou isto em “A emancipação do espectador”, ou poderíamos dizer a sua reintrodução do coro.
É o coro e não o confidente (Nietszche cita o exemplo da dama de companhia), a quem o herói trágico se revela, de maneira verossímil, seus medos e aspirações mais íntimas.
Cristo chama de maneira íntima em várias passagens Deus de pai, chama o pai de Abba que seria papai ou papaizinho, em sua oração ensinada ao “coro” ele cria o Pai Nosso.
No entanto na crucificação ele se distancia de Deus e se aproxima do coro humano e diz: “Meu Deus, Meus Deus, porque me abandonastes”, é o seu abandono ao Homem e a sua condição.
É a tragédia da crucificação de Cristo que invoca o coro da humanidade, aqui Ele é só O homem em toda sua condição.
NIETZSCHE, F. O Nascimento da Tragédia ou helenismo e pessimismo. Sao Paulo: Companhia das Letras, 2001.