Arquivo para abril 8th, 2015
Vidas ignoradas e abandonadas
A ideia que existem vidas desperdiçadas, presente em muitos discursos da Modernidade Tardia que querem ser pós-modernos, escondem a ideia que houve um tempo em que houve uma “boa sociedade” que disponibilizaria emprego para todos, e não haveria uma fila de espera de desempregados, afirma Bauman um destes autores, textualmente: “Os desempregados da sociedade de produtores (incluindo aqueles temporariamente afastados da linha de produção) podem ter sido desgraçados e miseráveis, mas seu lugar na sociedade era seguro e questionável” (p. 22).
Custo a acreditar que o autor da liquidez tenha tantos leitores e seguidores, diz ele que este “refugo” ou “dejetos humanos” sejam tratados como condição humana e não como uma falta de humanidade de setores bem determinados da sociedade.
Depois aquilo que ele caracteriza como “medo do outro” ou “O medo cósmico é também o horror do desconhecido, o terror da incerteza” (pag. 61) são leituras negativas de um momento justamente que ocorre esta inversão, o Outro e o Infinito do filósofo Lévinas são uma das várias referencias desta mesma questão, mas com uma leitura positiva.
O que assusta muitas consciências líquidas da modernidade tardia, é que a multidão de pessoas emponderadas (empowerment) que compartilham e constroem conteúdos e não só os doutos senhores que apesar de toda erudição não conseguem mergulhar nos reais problemas da pós-modernidade, e entre eles, as pessoas simples da multidão, e as pessoas abandonadas pela sociedade, condenadas a um futuro incerto como os jovens e a uma dignidade abandonada, no caso dos velhos.
É cada vez mais comum, em especial em países em crise, que aposentadorias sejam retardadas ou depreciadas em seus valores, excluindo uma parcela significativa da sociedade.
Sob um discurso assistencialista e piedoso se escondem muitas vezes o desprezo pelas pessoas de funções humildes: garis, faxineiras, porteiros e demais funcionários serviçais.
O último capítulo do livro de Bauman é intitulado “A cultura do lixo”, diz que a eternidade e o eterno retorno novamente numa leitura negativa são culpados: “Na infinitude tudo é reciclado sem parar, como na ideia hindu do eterno retorno e encarnação” (p. 118), e mais ainda faz uma leitura enganosa do final da idade média: “Se a vida pré-moderna era uma recitação diária da duração infinitiva de todas as coisas, com exceção da existência mortal, a vida líquido-moderna é uma recitação diária da transitoriedade universal” (p. 120).
Sem alternativas concretas a não ser sua saudade da modernidade, o autor convida a uma “cultura da eternidade”, o seu negativismo chega ao limite ao afirmar: “vivemos na era do desengajamento, da desconfiança, do esquecimento” (p. 135) nada menos eterno.
Imitando um dito do Facebook, não basta ser doutor e não cumprimentar seu porteiro, acrescento: pergunte seu nome e se interesse por sua vida, estabeleça com ele uma verdadeira relação.
BAUMAN, Z. Vidas desperdiçadas, São Paulo: Zahar, 2005.