Arquivo para abril 23rd, 2015
O ser, as coisas e valores
Que o ser está fragmentado, que o discurso e a cultura foram fragmentados no transcurso da modernidade todos sabemos, chamemo-la de líquida, gasosa ou virtual, não será pela adjetivação que resolveremos e colocaremos de volta a vida e a sociedade nos trilhos.
Reconhecer que as esferas pública e privada estão divididas e confusas quando não deveriam ser basta olhar os diversos níveis da “chamada vida pública” para saber que determinados estamentos (e não classes) tomaram conta do público e o tornaram privado.
O problema mais profundo é aquele que nos separada ou nos unes às coisas, sejam elas, dinheiro, tecnologia ou mesmo coisas intangíveis como ideologias, ideias e religiões, e ficamos não no campo da física, já que a meta-física que foi abandonada.
O problema é que as coisas intangíveis ou não são reconhecidas como tal, ou se reconhecidas são vistas separadas do Ser (e não do sujeito, categoria fragmentária da modernidade), já as coisas que se pegam (tangíveis) são vistas como “apropriações” apenas e não como coisas que devem ser pensadas também a partir do Ser, reclamava Husserl: “é preciso voltar as coisas por elas mesmas”, não queria o pai da fenomenologia separá-la do Ser, e sim exatamente o contrário construir, ou reconstruir o projeto ontológico, como no Ser e o Tempo (pdf).
O ser é mais geral, reclamou Heidegger, retomando a metafísica Aristotélica (livro B,4), lemos:
Ao se manter que o “ser” é o conceito mais geral, não pode isto significar que seja o mais claro e que dispense toda outra explicação. O conceito de ser é, ao contrário, o mais obscuro . (HEIDEGGER. 1960, p. 3).
Mas nós fixamos a lógica, as definições bem feitas, onde o Ser é indefinível, mas tão real quanto tudo o que é tangível, e então ficamos a procura do Ser que é.
Quem está aprofundando e tentando entender a profundidade deste Ser, as ciências ônticas (das coisas separadas do Ser, projeto idealista) não respondem por si mesmas , afirma Heidegger:
Toda ontologia, por mais rico e fortemente estruturado que seja o sistema de categorias de que dispõe, permanece cega e trabalha para a falsificação de sua mais autentica intenção, desde que não começa por esclarecer suficientemente o sentido do ser, e renuncia a compreender este esclarecimento como sua tarefa fundamental. (HEIDEGGER. 1960, p. 11).
Reclama Edgar Morin em A cabeça bem feita, ensinamos tudo, mas não se ensina o homem a aprender a viver, a ser cidadão, etc. no início do capítulo 2 do livro usa a citação do filósofo Blaise Pascal “não se ensina os homens a serem honestos”, poderíamos acrescentar a partir da Cabeça bem feita: não liga os saberes dando-lhes sentido, não se ensina a condição humana e sua relação com a natureza, que impõe limites, para nós (incluo os dois autores) a ontologia (ser) precede à ética, ao contrário do que pensam os especuladores líquidos da modernidade.
HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit. Tübingen: Max Niemeyer, 1960. Versão alemã em função da tradução para o inglês fixando as páginas.