Arquivo para maio 28th, 2024
Renuncia, economia e alegria
Byung-Chul teoriza que apesar da diferença entre Derridá e Heidegger (veja nosso post anterior) há uma afinidade estrutural na visão de luto dos dois, está caracteriza pela renuncia da autonomia do sujeito em Derrida: “Por mais narcisista que nossa especulação subjetiva siga sendo, ela não pode mais se fechar a esse olhar, diante do qual nós mesmos nos mostramos no momento em que o convertemos em nosso luto ou podemos desistir dele [faire de lui notre dueil], fazendo nosso luto, fazendo de nós mesmos o luto por nós mesmos, quero dizer, luto pela perda de nossa autonomia, por tudo que nos fez a nós mesmos a medida de nós mesmos” (Han, p. 430 citando o texto de Derridá “Krafter der Trauer”, fortalecedor da dor), isto é, ambos tem em comum uma visão de renuncia a autonomia do sujeito, o “eu” do idealismo.
Aqui o importante é não deixar o luto trabalhar (lembremos o conceito já visto nos posts do “luto do trabalho”) ele é substituído em Derridá por um jogo do luto: “contudo quanto mais alegre a alegria tanto mais pura a tristeza que nela dorme. Quanto mais profunda a tristeza tanto mais nos chama a alegria …” (Han, pg. 430-431), mas o luto de Heidegger, explica Han, não mata a morte, tentar mata-la resulta em algo ainda pior: “o querer ressuscitar, ultrapassar violenta e ativamente o limite da morte só os arrastaria (os deuses) para uma proximidade falsa e não divina e traria a morte em vez nossa vida” (Han, pg. 431-432 citando Heidegger).
Heidegger explica que é “não é um sintoma que posa ser eliminado pela contabilidade psicoeconômica. Ele não tem um traço deficitário que implique o trabalho (de luto).”.
Este “retirado” ou “poupado” para o qual bate o coração “santo e enlutado” de Heidegger não é submetido à economia, este “poupado” não se pode gastar nem capitalizar, é portanto aquele que está e caracteriza a renúncia, Han não exemplifica, mas podemos pensar em ajuda humanitária em desastres e guerras, já que vai caracterizar a identidade de renúncia e agradecimento como concebível fora da economia, usando termos heideggerianos “suportar pesarosamente a necessidade de renunciar” e promete a “impensável doação”.
Diz uma frase profunda e sábia de Heidegger, a renúncia é a “forma mais elevada de posse”, parece contrário, mas só temos de fato aquilo que podemos dar pois do contrário é mercadoria de troca, e mais ainda renúncia se torna agradecimento e “dever de agradecimento”, esta dor aumenta aprofundando se torna alegria: “quanto mais profunda a tristeza tanto mais nos chama a alegria que nela repousa”. (pg. 433), mas não se torna nem sublimação, que nos obriga “trabalhar”, pois é a “inibição de todo rendimento” e a “consciência do vazio e da pobreza do mundo”.
Elogio da miséria alguém poderia pensar, não é um elogio a alegria moderada e contínua, diferente da euforia e êxtase que é seguida de depressão, “a falta do divino acarreta o luto, remonta a um obstinado esquecimento do ser, no qual Heidegger inscreve o divino” (Han, p. 433-434), mas certamente não é ainda o divino bíblico, mas cerca-o.
A recompensa e a alegria do Divino inscrito no ser, é aquela que renuncia e doa, mas sabe que haverá recompensa de receber cem vezes mais não em bens, mas em alegria.
HAN, B.C. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger. Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. Petrópolis: Vozes, 2023.