A luta do bem contra o mal, fragilidades do bem
O mal em Agostinho de Hipona no livro VII das Confissões, é ausência de bem, assim como todo o universo é ordenado, ainda que agora descobrimos um universo com energia e massa escura, buracos negros, seminovas e galáxias sumindo e aparecendo, e muitas leis novas na astrofísica, ainda assim, há uma hierarquia, onde algumas coisas sobressaem as outras, e é para isto que Agostinho chamou a atenção, e já havia em Agostinho a questão do livre-arbítrio.
Mas uma lição dura mesmo para religiosos como Agostinho, que abandonou a filosofia de maniqueu, é a luta do bem contra o mal, e isto ainda domina parte do dualismo filosófico, onde ser inferior não é ser do mal, há coisas boas inferiores e coisas más superiores, assim o importante é a perda de sentido do que é bom ou mal, aquilo que Hanna Arendt chamou de “A banalidade do mal” (Companhia das Letras, 1999), assim alguém pode fazer algo “inferior” sem ser “mal”.
Assim há dicotomia entre a “luta” pelo bem e a “guerra”, trabalhar e lutar pela vida, ou eliminar o adversário.
Aqueles que querem dar a vida o puro deleite, ou que afirmam que há sentido numa vida bem vivida é o de sermos “produtivos” e “ativos”, inspirados no mitos como um QI superior ou herança fortuita (fortuna no sentido grego é diferente, é destino), mesmo que isto seja feito por meios opressores, indo até o argumento racial, que é o mais repugnante de todos, mas de onde vem estes mitos da “guerra”, do “vencedor” que se confunde com o opressor?
Um dos grandes mitos que surgem desde a antiguidade é Ulisses de Odisséia e Ilíada (cantos VIII da Odisseia e IX de Ilíada), que significam um símbolo da capacidade do homem de superar as adversidades, embora exista o personagem Odisseu (o nome em grego de Ulisses), seria nascido em Ítaca, filho do rei Laerte, que reinou em Anticléia.
Embora Ulisses de James Joyce escrito de 1914 a 1921, fala de um personagem Leopold Blum, considerado pelo autor um homem moderno que é ao mesmo tempo forte e fraco, cauteloso e precipitado, herói e covarde, numa tentativa de criar um ser humano representante da humanidade, no entanto, é na verdade o herói solitário moderno, um dom Quixote requintado.
A contextualização do herói épico grego e o “herói” moderno são, entretanto, diferentes, assim para ler Ulisses de Joyce é necessário quase um roteiro, que inclusive foram feitos alguns.
Foi o psicólogo Carl Jung que chamou a atenção para o aspecto de “monólogo” do Ulisses de Joyce, embora pareça um homem “comum”, é um homem só e sua “luta”, alertou Jung: “O que é tão assustador em Ulisses é o fato de, atrás de mil véus, nada ficar escondido; de não estar virado nem para a mente nem para o mundo, mas, tão frio quanto a lua vista do espaço cósmico, permite que o drama do crescimento, do ser e da decadência siga o seu curso”, eis um mito moderno.
Os heróis que apareceram na pandemia, não são heróis de “guerra” nem mitos imortais, eles próprios não estão imunes da pandemia e convivem com o medo, e até o isolamento familiar, o que deveriam pensar é a vida que vale a pena ser vivida por todos, pelo planeta e pela saúde.
JUNG, Carl Gustav. Ulysses: A Monologue, UK: Haskel House, 1977.