Mistério não é ignorância
Histórias de culturas, de tradições culturais que envolvem o imaginário, e o próprio imaginário são envoltos em mistérios, mas não se deve confundi-los com ignorância ou superstições, é isto que pode-se ler no livro do quase centenário Edgar Morin “Conhecimento, Ignorância e Mistério”. le-se aí muito sobre o conhecimento, algo sobre a ignorância e o essencial sobre o mistério, a dosagem de Morin é perfeita e um bom remédio para o pandêmico.
Ele prepara um livro para a pandemia, mas como sempre se antecipa à história espero ler e acredito que ele é um dos poucos que pode falar sobre o novo nomrla ou o pós-pandêmico justamente porque enfatizou numa de suas conferências que a crise sanitária nos pegou de surpresa e nos colocou de joelhos.
Além de livros planetários como “Terra Pátria”, sobre epistemologia “O Método” em seis volumes, é um dos raros que se arriscou a trilhar novos caminhos em nossos dilemas globais através de “Para Sair do século 20” e “Diante do Abismo”, porém neste livro de 2018, o seu salto é sobre o mistério sem escorregar pelos caminhos fáceis da crendice e da ignorância, questiona tanto o fetiche da razão como o determinismo materialista, entre suas diversas obras estão os Estudos Transdisciplinares feito num no Centro destes estudos em Paris com o filósofo, importante para o mundo digital Michel Serres, recentemente falecido, e proclama que podemos com a disciplinaridade e com a excessiva especialização caminhar para um novo “obscurantismo”.
Separa claramente a ignorância do mistério, para ele ““Só podemos apreender o real por meio das representações e interpretações. A realidade do mundo exterior é uma realidade humanizada: não a conhecemos diretamente, mas por meio do nosso espírito humano, traduzida/reconstruída não só pelas nossas percepções, como também pela nossa linguagem, nossas teorias ou filosofias, nossas culturas e sociedades”, e o mistério é para ele equacionado pela transdisciplinaridade como “a contradição a que chega todo conhecimento aprofundado não é erro, mas última verdade concebível”.
Valoriza o mistério como caminho de descoberta e conhecimento: “O conhecimento complexo é o caminho necessário para chegar ao incognoscível. Caso contrário, continuamos ignorantes da nossa ignorância. O mistério em nada desvaloriza o conhecimento que a ele conduz.”
Chama o nosso meio atual como tendo uma “cultura do cancelamento”, uma meia-sola mais rancorosa nas velhas patrulhas ideológicas, e elas parecem agora recrudescer com o retorno da polarização ideológico, que no pós guerra criou uma tensão constante em toda humanidade.
Que lembra quando as crianças tapam os ouvidos e emitem cantilenas miméticas (ele chama de guturais) para não ouvir interlocutores que as contradizem (se você nunca fica sabendo que pode estar errado, estará certo para sempre), assim a polarização e radicalização parece vir da educação berçária.
Não é só o meio natural que precisa de biodiversidade, o meio cultural e a democracia também precisa, como afirma Morin na verdade “dependem da biodiversidade”, estamos dispostos a conviver com o que é diferente ou desejamos eliminá-lo, a resposta dada em escala global é assustadora, está sim não é mistério para ignorância e desprezo pelo Outro.
MORIN, Edgar. Conhecimento, Ignorância, Mistério. 1ª. edição. BR: Bertrand do Brasil, 2020.