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Revelação e desvelamento
Enquanto na filosofia, o desvelamento é a clareza atingida pela inteligibilidade metafísica ou ontológica, que não se restringe só pelos aspectos materiais, empíricos ou quantitativos da realidade, o desvelamento na teologia é a revelação e inteligibilidade pela fé.
Ambas buscam o conhecimento do todo, desde seu aspecto originário, passando pelos meios (os caminhos e métodos que propõe) até entender racionalmente ou pela “revelação” do conhecimento harmônico (elucidação) das verdades divinas ou aquelas contidas nas Escrituras (justificação).
Assim a Teologia, enquanto é o estudo que representa um esforço da razão (e também da espiritualidade) para maior compreensão daquilo que está dito por meio das Escrituras, porém é sempre re-velação porque o conhecimento divino é infinito, enquanto o humano é finito.
Assim a palavra des-velar (tirar o véu) é adequada ao esforço racional, porém sem o recurso da metafísica e da ontologia fica presa à re-velação, que é o conhecimento racional pragmático.
O esforço de compreender os novos dados do telescópio James Webb por exemplo, já está dando aos físicos e astrofísicos novas compreensões do universo, porém é cada vez mais difícil entender qual o momento inicial ou qual a substância inicial que ele se formou, a resposta parece ir para além de seus limites ao conduzir as hipóteses: sem este lá e não há início ou há outros multiversos além do nosso universo.
Assim o des-velar é aquele conhecimento que vai em direção à essência do que somos e para onde nos dirigimos e que leis ético-metafísicas nos governam e deveríamos obedecê-las.
Pois o des-velar pode nos indicar que mais que uma substância inicial (uma mónada primordial ou uma energia cósmica inicial) e que pode haver um Ser e uma intenção na criação.
Se o olho é a lâmpada de nosso corpo e nos re-vela a realidade, devemos ir além dela para des-velar os segredos da eternidade, pois o nosso conhecimento é limitado.
Esta sabedoria é aquela que afirma, na leitura bíblica que nós sabemos até quanto valem dois pardais, mas o divino (Mt 10,31-32): “Quanto a vós, até os cabelos da vossa cabeça estão contados. Não tenhais medo! Vós valeis mais do que muitos pardais.”
Há uma onisciência divina e mesmo que caminhemos por veredas o processo civilizatório prosseguirá.
Poder e interioridade
Esclarecido no post anterior a diferença entre alma e espirito, o conceito usado por Hegel para desenvolver a ideia (metafisica, para ele “subjetiva”) de poder usa uma analogia da digestão, que Byung Chul Han aproveita:
“O poder é, para Hegel, já efetivo no nível mais elementar da vida. A digestão, desse modo, é já o processo do poder no qual o ser vivo leva consigo, aos poucos, seu outro a identidade” (Chul Han, O que é poder?, p. 102), chega a dizer que o ser vivo gera identidade com o outro, porém ignora que em sua gênese há um processo metafísico.
Nietzsche vai desenvolver esta questão como vontade de poder, neste caso confundido com a dominação que já tratamos aqui e que é uma categoria sociológica, porém o poder como uma metáfora, a nosso ver mais adequada, é aquilo que geramos em nossa interioridade digestiva.
Como digerimos a imagem do outro como nossa identidade ou não, pois reconhecemos diferenças não só no genótipo, mas principalmente nas diferenças de sentimentos, julgamentos e decisões, de modo mais amplo de acordo com a nossa cosmovisão.
Assim o desejo de paz ou de guerra com o diferente, a tolerância ou intolerância em diversidades de pensamento sobre o mundo e as coisas não deve estar na categoria do certo e do errado, claro assim o errado deve ser punido, mas o que é errado deve estar circunscrito nos limites do humano, assim se matar é errado, a guerra é um erro grave onde um povo pode exterminar outro.
A renúncia a este poder metafísico, gerado em nossa interioridade ela nossa visão de mundo, deve sempre estar interiorizada (digerida) também como uma vontade, um comando, do tipo não-posso.
A lição bíblica sobre esta questão, descrita como as “tentações de Cristo”, estão na passagem Mt 4,1-11.
Na passagem após jejuar e renunciar ao poder de transformar as pedras em pães e disser que se lançasse sobre a cidade de Jerusalém, o diabo o tenta com o poder e mostra-lhe os reinos do mundo: “e lhe disse: “Eu te darei tudo isso, se te ajoelhares diante de mim, para me adorar”. Jesus lhe disse: “Vai-te embora, Satanás, porque está escrito: ‘Adorarás ao Senhor, teu Deus, e somente a ele prestarás culto’”. Então o diabo o deixou. E os anjos se aproximaram e serviram a Jesus” (Mt 4. 9-11).
Poder e alma
Não há no discurso sociológico algo que de fato desvende o que é o Espirito, a grande razão ela qual a filosofia veio re-trabalhar a questão do Outro (Levinas, Ricoeur e até mesmo Habermas e Chul-Han a retomaram) é que a visão idealista é centrada no “eu”, também o pensamento vulgar foi por este caminho: o “mistério”, a chave do sucesso, etc.
Para se ter uma relação com a alma é preciso saber não a ex-sistência (ex-fora e cistere – cisterna), mas que Deus é, sua essência é Ser em sua plenitude e assim nele há a plenitude ontológica e assim a alma, do grego anima, é o que Ele insere no homem para dar-lhe vida.
Assim seu poder é ontológico, Byung Chul Han chega a relacionar Heidegger com sua concepção de poder, e também de religião com poder, mas sua leitura é dualista neste ponto, ou religião ou ontologia, é verdade que existe uma teo-ontologia, porém há uma relação forte entre elas, desde Tomás de Aquino.
A relação que Chul Han estabelece está descrita assim: “Embora Deus seja a ´subjetividade´, esta não se esgota na identidade abstrata, sem conteúdo, do ´eu sou eu´. Ele não permanece em um silencio e hermetismo eternos´” (Han, 2019, p. 120), citações que ele retira de Lições de filosofia da religião de Hegel, e não é de estranhar que pense, ele é próximo ao budismo e a ascese é humana.
Já escrevemos no post anterior que Deus é poder na visão hegeliana, e Chul Han a descreve a partir da ideia idealista: “pois Ele é um poder de ser Ele mesmo” (Han, 2019, p. 121), e assim não há relação de criação (e não imanência) com tudo que existe, incluindo o homem e sua alma.
Diferente do Espirito desenvolvido por Hegel (Fenomenologia do Espírito), sem a relação com a alma não há um Deus trinitário, além do divino-humano Jesus, o Espírito Santo, terceira pessoa.
Através de uma verdadeira ascese o homem conhece um verdadeiro poder, que não é uma dominação sua descrição sociológica, mas uma relação ontológica com sua ascensão, por ela diz a leitura bíblica o homem se eleva verdadeiramente.
Diz uma passagem da leitura divina, na qual Mateus revela como uma lição de Jesus (Mt 4,25):
“Com efeito, de que adianta a um homem ganhar o mundo inteiro, se se perde e se destrói a si mesmo?”, ou seja, se destrói sua alma.
HAN, B.C. O que é poder?. Trad. Gabriel Salvi Philipson. RJ: Petrópolis, Vozes, 2019.