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A prudência e a alegria
A virtude da prudência pode a primeira vista imaginar-se atitudes cautelosas, sensatas e pacientes, que podem ser seus componentes, porém ela está mais ligada a ideia de uma alegria cautelosa porém que é também um gáudio.
O prudente tem equilíbrio porque nele encontra paz e felicidade, está além de ser vista apenas como uma virtude religiosa, alguns filósofos sagazes também a perceberam, em Carta sobre a felicidade observa: “… de todas essas coisas, a prudência é o princípio e o supremo bem, razão pela qual ela é mais preciosa do que a própria filosofia […]” (EPICURO, 2002, p. 45).
Temos o livre-arbítrio e podemos fazer escolhas, na visão de Epicuro nós podemos ser felizes se ficamos numa posição equilibrada do prazer, que pode parecer menos alegria, mas ela evita a busca como se algo faltasse e assim podemos cair em armadilhas e sofrimentos desnecessário se ultrapassarmos um certo equilíbrio.
É possível que alguém lembre a parábola bíblica das “virgens prudentes” (Mateus 25,1) na qual 10 virgens estão à espera do “noivo” e levam em suas candeias (vasilhas para acender pavios), mas só 5 tem óleo suficiente e outras 5 estão na falta dele, a meu ver refere-se às virtudes.
Claro o noivo, no caso bíblico, é Jesus então é a espera de sua segunda vinda, mas como as virtudes cardeais são 4 é preciso acrescentar a quinta que é o Amor, já que na presença do divino não são necessárias a fé (o divino já está desvelado) e nem esperança (já é alcançada por aquelas que possuem a vela acessa).
O acerto desta parábola é porque a prudência aí é tanto explicada no conceito religioso quanto o cultural, as parábolas bíblicas usadas por Jesus tinham este aspecto “didático”, e neste caso esta virtude fica mais clara, manter a vela acesa como recurso de sabedoria, justiça, fortaleza e amor, que assim há óleo suficiente para manter-se na “espera” do divino.
EPICURO. Carta sobre a felicidade (A Meneceu). Tradução e apresentação de Álvaro Lorencine e Enzo Del Carratore: São Paulo: Editora UNESP, 2002.
A sabedoria e amor na hominização
Sabedoria não é o mesmo que inteligência, cultura ou astúcia, é algo límpido e puro que é vida plena, assim é também uma virtude, chamada de cardeal junto à justiça, fortaleza e prudência.
A cultura é ligada a tradição cultural dos povos, pode e deve estar ligada a sabedoria porque é o único caminho que pode ajudar o processo civilizatório (ou de hominização como chamada Edgar Morin) tornar-se um caminho seguro e sustentável.
Aqueles que precisam dominar pela força caminham pelo caminho do poder, ali pode haver algo de inteligência, em geral há, porém é usada no sentido contrário ao civilizatório, o argumento que as guerras ajudaram a evolução só é válido porque tiraram lições amargas da guerra, que poderiam tirar se a inteligência fosse de falto elevada e imbuída do amor.
Sabedoria e amor na hominização
A astúcia é a mais perigosa inteligência porque em geral liga-se ao poder e a opressão, cria caminhos inteligentes, mas repletos de armadilhas para si e para os outros, não é caminho de solidariedade e comunhão entre os povos e culturas.
Assim a virtude da natureza é aquela que mais aproxima o homem da consciência divina, ou da nossa divina consciência, e assim o homem encontra um caminho sólido para sua hominização.
O sábio sabe viver na pobreza e riqueza, sabe dominar-se na guerra, a prudência é a virtude que mais se alia neste aspecto, sabe viver na paz, não se agita com ela porque sabe que é o verdadeiro estado de graça, aqueles que precisam de bens ou de abundância para viver bem estão mais próximos dos vícios do que das virtudes.
Junto ao amor, a virtude da sabedoria contém as outras, alia-se a prudência, a coragem (fortaleza) e a justiça, não a dos homens que é imperfeita e sem misericórdia, mas a divina.
A virtude da fortaleza: a ética moral da coragem
Desde a Grécia antiga a coragem está associada ao heroísmo violento e a capacidade de enfrentar de modo bélico o medo, porém não é esta virtude moral chamada fortaleza que é vista como uma das virtudes cardeais.
Já citamos que na filosofia, a inglesa Philippa Foot tratou deste aspecto da ética moral e por isto sua ética ficou conhecida como ética das virtudes.
Enfrentar os perigos e até mesmo provações (e provocações) significa estar alinhado as outras duas virtudes cardeais: a prudência e a sabedoria, também a justiça, mas aqui cabe uma outra observação: a justiça humana é impiedosa e legalista, não contempla a misericórdia e o perdão.
A coragem acompanhada da prudência é aquela capacidade de passar obstáculos da vida com vista a superá-los de modo a não reproduzir o ódio, a violência e a injustiça, assim deve produzir e ser conduzida pela sabedoria, que não é apenas cultura e boa leitura.
Em tempos sombrios ela é particularmente importante porque é preciso coragem para passar por situações difíceis e não perder a serenidade, a capacidade de ajudar os outros a que passam pela mesma ou até pior situação devido ao ambiente hostil.
Assim encontramos pessoas, verdadeiros ícones desta virtude da coragem que salvaram judeus das perseguições (lembro aqui do filme a lista de Schindler), muitos personagens que foram verdadeiras fortalezas diante das perseguições e dificuldades em meio a guerra, os membros das equipes da Cruz Vermelha e também o Crescente Vermelho, versão islâmica do socorro em meio a catástrofes e guerras.
Eles levam esperança em meio ao caos, assim não deixam de contemplar também esta virtude teologal, e em muitos casos devolvem a fé e caridade, completando o trio teologal.
Assim vão de encontro ao que todos procuram rejeitar a dor física e moral que sofrem aqueles que se veem em meio a guerras e catástrofes, já postamos aqui sobre a importância desta hermenêutica da dor, por exemplo, quando postamos sobre “A sociedade paliativa: a dor hoje” (Byung-Chul Han).
Neste livro Byung-Chul cita a frase de Ernst Jünger: “Dize tua relação com a dor, e te direi quem és!” e que podemos ser vista como social e dizer o qual nossa relação com a sociedade como um todo, é aqui onde se encontra o maior fundamento da virtude da fortaleza (coragem).
Os falsos profetas e a esperança
A má religião e as falsas profecias são aquelas que não anunciam a boa nova, não há nenhuma leitura histórica ou verdadeiramente profética daquilo que é o reino divino: a paz e a esperança.
Sim é verdade que estamos em tempos sombrios, mas ainda assim é preciso anunciar a paz e a esperança, que o homem até hoje construiu a civilização sobre guerras e vinganças é fato, porém foi a paz e esperança que desenvolveu a agricultura, o comércio e a produção de bens sociais, mesmo em meio às guerras a esperança sobreviveu e fez estrada.
São maus leitores bíblicos, quando os discípulos perguntaram quando os tempos de destruição viriam, diz a leitura Lc 21:8-9, “Jesus respondeu: “Cuidado para não serdes enganados, porque muitos virão em meu nome, dizendo: ‘Sou eu!’ E ainda: ‘O tempo está próximo’. Não sigais essa gente! Quando ouvirdes falar de guerras e revoluções, não fiqueis apavorados. É preciso que estas coisas aconteçam primeiro, mas não será logo o fim”
Continua a leitura sobre conflitos mundiais (Lc 21:10-11): “e Jesus continuou: “Um povo se levantará contra outro povo, um país atacará outro país. Haverá grandes terremotos, fomes e pestes em muitos lugares; acontecerão coisas pavorosas e grandes sinais serão vistos no céu”, mas esta não é a profecia e sim aquilo que os homens farão antes de um tempo de paz e de verdadeiro processo civilizatório no planeta.
Aprendemos mais pela dor do que pela razão e pelo amor, ainda que estes tempos se digam racionais, a visão do todo, da Terra como uma pátria comum a todos povos e nações ainda não chegou, impera o poder mundano, as tentativas de saques e de vinganças entre os povos, e não há nada de divino nisto, é apenas a insanidade de um racionalismo raso e antissocial.
A esperança é que conduzirá os homens a um outro patamar civilizatório, que socorrerá os pobres, que renovará a vida e os modelos saudáveis de desenvolvimento, até mesmo aquilo que é considerado um princípio de sustentabilidade, não consegue gerir os recursos terrestres.
Uma nova civilização será aquela que sobreviveu destes tempos sombrios e sem temperança, como dizem as virtudes cardeais esquecidas (post da semana passada da filósofa Philippa Foot): temperança, sabedoria e prudência e coragem (fortaleza) são virtudes morais esquecidas, mas não de todos.
A má religião e as virtudes
A filosofia contemporânea oscila entre definições de ética e de moral, a moral vista como uma redução a moral dos costumes, não há nela uma profundidade de virtudes e verdadeira religiosidade.
As três virtudes teologais se perderam: fé, esperança e caridade, que devem ser “infundidas” por Deus, são confundidas com religiosidade de adivinhos e bens materiais, esperança torna-se uma espécie de pensamento positivo e sentimentos comportamentais animados por algum “coach” e caridade, alguma bondade superficial como dó, piedade e socorro social.
As chamadas virtudes cardeais são a prudência, atropelada por um mundo movido a impulsos, a justiça que tornou-se pura manipulação política, a fortaleza confundida com força física ou política e a temperança presente em raríssimas situações e pessoas, vivemos tempos da ira.
Uma rara filósofa contemporânea a tratar do tema foi Philippa Foot, falecida em 2010 com 90 anos, apesar do nome era britânica e é responsável pelo ressurgimento da “ética da virtude”.
Foot não abandonou os clássicos, mas os releu para tempos modernos, ela entendia que a moralidade deve ser entendida em termos de virtudes de caráter, ao invés de apenas entender como regras e consequências de ações.
Entre seus trabalhos ela modernizou a teoria ética de Aristóteles (Ética a Nicomaco) numa visão contemporânea do mundo, mostrando que ela pode competir com teorias populares como as éticas deontológicas e a ética utilitarista (aquela voltada aos bens, por exemplo, presente nas religiões).
Ela elaborou e discutiu o chamado dilema do Bonde (Foot, 1968, ver figura), também abordado por outros filósofos contemporânea como o badalado John Rahls, também extensivamente analisado por Judith Jarvis Thomson e mais atualmente por Peter Unger.
O dilema é simples o manobrista deve analisar o “mal-menor” onde numa linha atropelaria uma pessoa e noutra várias delas, num bonde que está descontrolado e não pode parar.
A variante de esperança é uma versão do dilema considerado por Daniel Zubiria, onde há 50% de chance do trem descarrilado salvar todas as pessoas e não optar por nenhuma das duas vias, uma argumento parecido é o de Jonah Barnaby.
O problema é interessante porque recai nas virtudes teologais necessariamente.
Sobre a fé há um único argumento possível: a oração, ela é inalienável do pensamento religioso, não se trata de exercício de retórica, de manobras lógicas e emocionais, ela deve se fundamentar exclusivamente na relação com Deus, assim é dispensável a relação utilitarista ou deontológica já que ela é teo-ontológica: “a casa de meu Pai é casa de oração” (Lc 19,46).
Philippa Foot, The Problem of Abortion and the Doctrine of the Double Effect in Virtues and Vices (Oxford: Basil Blackwell, 1978.
Reformar o pensamento e seu viático
No início do capítulo 5 de Cabeça bem-feita de Edgar Morin, ele faz uma epígrafe de Edita de Eurípedes: “Os deuses nos inventam muitas surpresas: o esperado não acontece, e um deus abre caminho ao inesperado” (Morin, 2003, p. 61), só sabe trabalhar com o inesperado quem medita e tem a parte espiritual bem desenvolvida.
Ele nos dá três viáticos neste capítulo, o primeiro é “Preparar-se para nosso mundo incerto é o contrário de se resignar a um ceticismo generalizado”, é preciso resistir ao que é anti-humano não como um ato de coragem, mas na única certeza que é o erro do caminho que nossas convicções equivocadas podem nos levar (na foto o viático de Leonardo Alenza, 1840).
O segundo viático é a estratégia, nos perdemos no caminho daquilo que é bom e que desejamos.
“A estratégia opõe-se ao programa, ainda que possa comportar elementos programados. O programa é a determinação a priori de uma seqüência de ações tendo em vista um objetivo. O programa é eficaz, em condições externas estáveis, que possam ser determinadas com segurança” (Morin, 2003, p. 62) assim precisamos pensar na estratégia exercendo-a, se queremos mais humanidade é preciso ser humano, se queremos a paz devemos praticá-la.
O terceiro viático é o desafio, geralmente procuramos nossa zona de conforto ou segurança, mas nem conforto nem segurança estão lá, em geral exigem um desafio para conquista-las, diz Morin: “Uma estratégia traz em si a consciência da incerteza que vai enfrentar e, por isso mesmo, encerra uma aposta. Deve estar plenamente consciente da aposta, de modo a não cair em uma falsa certeza. Foi a falsa certeza que sempre cegou os generais, os políticos, os empresários, e os levou ao desastre” (Morin, 2003, p. 62) deste é o desastre da falsa paz de hoje.
O que pode nos levar a um futuro ainda melhor, quem responde não é exatamente um cristão, e sim alguém de origem judaica, mas que vive um laicismo: “A aposta é a integração da incerteza à fé ou à esperança. A aposta não está limitada aos jogos de azar ou aos empreendimentos perigosos” (Morin, 2003, p. 62), se trabalhamos para a paz e para o processo correto do que é civilizatório temos certeza de contar com alguma ajuda extra, porque não: divina.
MORIN, E.
MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. tradução Eloá Jacobina. – 8a ed. -Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
O mau pensamento, a má política e a má religião
A estrutura da crise civilizatória que vivemos, a ameaça nuclear tornou-se real após a liberação de mísseis para o território russo estes dias, a crise energética e o problema da miséria mundial estão na pauta civilizatória, mas o pensamento, a política e a religião (em seus desvios) não os percebem claramente.
Trata-se de conseguir aliados e não de construir pontes e derrubar muros políticos, culturais e até mesmo religiosos, o pensamento iluminista ainda domina o ocidente, a visão cultural rasa invade o discurso até das camadas mais cultas e a religião quando não é puro comércio se desvia para preceitos e pré-conceitos humanos pouco ou nada tem de puro e divino.
Sobre o pensamento um texto interessante de ler é “Cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento” de Edgar Morin, diz ele sobre a crise que já era presente nos discursos sobre o “mal estar civilizatório”: “De modo que podemos, ao mesmo tempo, integrar e distinguir o destino humano dentro do Universo; e essa nova cultura científica permite oferecer um novo e capital conhecimento à cultura geral, humanística, histórica e filosófica, que, de Montaigne a Camus, sempre levantou o problema da condição humana” (Morin, 2003, p. 38).
Diz na introdução do livro: “O saber tornou-se cada vez mais esotérico (acessível somente aos especialistas) e anônimo (quantitativo e formalizado). O conhecimento técnico está igualmente reservado aos experts, cuja competência em um campo restrito é acompanhada de incompetência quando este campo é perturbado por influências externas ou modificado por um novo acontecimento.” (Morin, 2003, p. 19).
Porém as redes invadiram o discurso dos experts e piorou o conhecimento cultural e político, agora sob a influência do “enxame digital” (ler Byung-Chul Han: o Enxame), uma onda de má política e má religião foi deflagrada e invadida por “influencers”, pseudo-profetas e políticos cuja conduta anti-civilizatória já denunciam suas falsidades e maldades.
É hora dos oportunistas, do pouco pensamento (ele já atingiu a camada seleta de “cultos”) e de má religião, que profetiza o mal, a desordem, e anuncia como “profecia” a religião do lucro fácil, do desprezo a cultura e de outras culturas que não as próprias.
Porém a luz persiste, a resistência persiste entre aqueles que anunciam a boa-nova e um mundo mais humano, a nova civilização e o protagonismo do que é bom, belo e humano; e aos poucos o que é pensamento ultrapassado, má política e religiões e profetas falsos desaparecerão, será um longo e doloroso processo, mas a noite só persiste na ausência da luz.
A quem tem pouco (pensamento, cultura e fé) até o pouco lhe será tirado.
MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento / Edgar Morin; tradução Eloá Jacobina. – 8a ed. -Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
A alegria e re-construir a Terra
Em meio a ameaças de guerra total: os EUA autorizaram o uso de armas de longo alcance na guerra do leste europeu, Finlândia e Suécia se preparam para possível guerra (RFI press) e a ameaça russa de uma guerra total pela aprovação de mísseis (Terra on-line).
Tudo isto parece contraditório com as possibilidades do Terra-Pátria que postamos na semana passada, porém também um teólogo, paleontógo e filósofo Teilhard Chardin aponta algo além disto: re-construir a Terra.
O texto de Chardin datado do final de sua vida na década de 30 (são vários extratos), compilado e publicado após sua morte em 1958, dizia apenas em Construir a Terra, porém não havia ainda o forte desiquilíbrio ambiental, o crescimento das usinas atômicas (a energia foi usada na guerra para bombas) e o perigo de um cataclismo global, ameaças hoje presentes, além do desiquilíbrio social.
Ele já sabia da crise da democracia e do crescimento de sistemas totalitários (fascismo e comunismo), definia sua crença no futuro em três vertentes: paixão pelo pessoal, pelo universal e pelo próprio futuro, e vendo o planeta como um organismo deu sua sentença: “cada célula pensa, pelo fato de ser livre, que está autorizada a erigir um centro para si mesma” (Chardin, 1958), porém constatou a dispersão deste falso liberalismo intelectual e social.
Vê, porém as contradições em diálogo, estas forças não tem o “poder meramente destrutivo, cada um dela contém fatores positivos … por menos que estes componentes conversem, cada um deles contém componentes positivos … cada um deles é o próprio mundo é o próprio mundo que se defende e quer chegar a luz”, claro é preciso evitar os conflitos de guerras e extremismos.
No sentido que dá ao “espírito da Terra”, este foi escrito unindo extratos de 1931, em viagem pelo Oceano Pacífico, definiu este espírito como “o sentido apaixonado do destino comum que arrasta, sempre mais para longe, a fração pensante da Vida”, e ela dá sentido à nossa consciência em círculos crescentes de famílias, de pátrias, das raças, descubra enfim que a única Unidade humana verdadeira, natural e real, é o Espírito da Terra”.
Edgar Morin em seu livro Terra Pátria criou um conceito similar como cidadania planetária, porém é preciso dar uma “alma comum” a esta ideia de um planeta como casa de todos.
Na cosmologia de Chardin, ele trabalha insistentemente neste tema em sua Noosfera (esta camada pensante que cria este espírito capaz de envolver todos), dirá que “o amor é a mais universal, a mais formidável e a mais misteriosa das energias cósmicas”, hoje com tantos polos e tantas forças em conflito é preciso reencontrar este ponto essencial de convergência.
No caminho da unidade, “às maravilhas de uma alma comum”, escreveu “estas breves e pálidas devem fazer compreender que formidável poder de alegria e de ação dorme ainda no seio da unidade humana”, redescobrir este valor e esta força cósmica, como a define, é o destino nosso.
Esta é a alegria daqueles que creem na participação divina que corrige a história humana.
CHARDIN, T. Construire la Terre. Paris: Editions du Soleil, 1958.
As esperanças eternas
Quando os gregos pensaram a polis grega quase que simultaneamente o mundo judaico era revigorado e atualizado pelo mundo cristão, haviam centenas de falsos profetas, um era o esperado, veio não com um estrondo, como uma euforia e sim como uma brisa suave.
No limiar de uma nova civilização, Edgar Morin deixa 4 desafios para a humanidade: “
Sair da idade de ferro planetária, salvar a humanidade, co-pilotar a biosfera, civilizar a terra são quatro termos ligados em anel recursivo, cada um sendo necessário aos outros três” (Morin, 2003, p. 178).
Simplistas e falsos profetas insistem em soluções apocalípticas ou bélicas, ou ambas, porém alerta Edgar Morin: “Pois quanta cegueira, hoje, entre os tradicionalistas, os modernos, os pós-modernos! Quanta fragmentação do pensamento! Quanto desconhecimento do complexo planetário! Quanta inconsciência em toda parte dos problemas chaves! Quanta barbárie nas relações humanas! Quantas carências do espírito e da alma! Quantas incompreensões!” (Morin, 2003, p. 179).
Assim podemos ter duas atitudes conforme nosso olhar espiritual e conceitual sobre o futuro: “De qualquer modo, devemos reassumir o princípio de resistência. Além disso, dispomos de princípios de esperança na desesperança …” (Morin, 2003, p. 180).
Aponta seis possibilidades de atitudes diante disto: o primeiro é vital: “… princípio vital: assim como tudo o que vive se auto-regenera numa tensão incoercível voltada para seu futuro, assim também o que é humano regenera a esperança ao regene- rar seu viver; não é a esperança que faz viver, é o viver que faz a esperança, ou melhor: o viver faz a esperança que faz viver” (idem)
Enumera outros 5, mas queremos destacar o quinto: “O quinto é o princípio do salvamento por tomada de consciência do perigo. Segundo a frase de Hõlderlin: “Lá onde cresce o perigo, cresce também o que salva.” (ibidem).
Termina o livro de maneira desoladora: “A aventura continua desconhecida. A era planetária sucumbirá talvez antes de ter podido desabrochar. A agonia da humanidade talvez só venha a produzir morte e ruínas” (Morin, 2003, p. 181), de fato, isto parece cada vez mais provável.
Porém para os que creem Deus não permanecerá indiferente ao destino da humanidade, assim é preciso pensar além da resistência do espírito, ter esperança que as palavras de salvação não passarão e então todo o mundo poderá reconhecer o poder e a ação divina sobre nossas vidas.
Um extra na consciência planetária
No final do século parecíamos tomar consciência de nossa realidade, de repente explodem novos conflitos e as guerras adormecidas acordam: ódios étnicos, ódios raciais e ideológicos.
Escreveu Morin sobre este momento:
“Ainda até os anos 1950-1960, vivíamos numa terra desconhecida, vivíamos numa Terra abstrata, vivíamos numa Terra-objeto. Nosso fim de século descobriu a Terra-sistema, a Terra Gaia, a biosfera, a Terra parcela cósmica, a Terra-Pátria. Cada um de nós tem sua genealogia e sua carteira de identidade terrestres. Cada um de nós vem da Terra, é da terra, está na terra.
Pertencemos à Terra que nos pertence” (Morin, 2003, p. 175).
Então o que seria esta tomada de consciência, escreve Morin:
• “a tomada de consciência da unidade da Terra (consciência telúrica);
• a tomada de consciência da unidade/diversidade da biosfera (consciência ecológica);
• a tomada de consciência da unidade/diversidade do homem (consciência antropológica);
• a tomada de consciência de nosso estatuto antropo-bio-físico;
• a tomada de consciência de nosso dasein, o fato de “estar aí”, sem saber por que;
• a tomada de consciência da era planetária;
• a tomada de consciência da ameaça damocleana;
• a tomada de consciência da perdição no horizonte de nossas vidas, de toda vida, de todo planeta, de todo sol;
• a tomada de consciência de nosso destino terrestre. “ (Morin, 2003, p. 175)
Embora reconheça que precisa ir além, pois escreve: “E é através dessas tomadas de consciência que podem con- vergir doravante mensagens vindas dos horizontes mais diversos, umas da fé, outras da ética, outras do humanismo, outras do ro- mantismo, outras das ciências, outras da tomada de consciência da idade de ferro planetária” (Morin, 2003, p. 176), está preso a ideia do humanismo das luzes “que reconhece a qualidade de todos homens” (idem), mas esbarra nas limitações humanas sem saber como superá-los.
“Dominar a natureza? O homem é ainda incapaz de controlar sua própria natureza, cuja loucura o impele a dominar a natureza perdendo o domínio de si mesmo. Dominar o mundo?” (Ibidem), não está claro para o autor nos “horizontes mais diversos” a consciência do divino.
Sem fazer parte do imaginário um ponto elevado da civilização, que veja ao longe uma nova civilização, que o próprio autor reconhece: “Esse homem deve reaprender a finitude terrestre e renunciar ao falso infinito da onipotente técnica … ” (p. 177), porém não é o cosmo o limite.
Reconhecer como parte do imaginário realizável, “o já mais não ainda” de Byung-Chul Han (está na nota de nosso blog), é reconhecer que o destino do homem é divino, é o reino do “já” aqui na terra, mas não ainda porque caminhamos para a pátria celeste, não do cosmos apenas, mas de uma vida eterna.
Morin, E. e Kern, B. Terra-Pátria. Trad. Paulo Neves, Porto Alegre: Sulina, 2003.