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Arquivo para a ‘Linguagens’ Categoria

As intermitências da morte

31 ago

José Saramago (1922-2010), além do seu célebre livro Ensaio sobrea Cegueira, escrito em 1995 e que depois tornou-se um filme dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles e com roteiro de Don McKellar, escreveu muitos outros romances: O memorial do convento (adaptado numa opera), O evangelho segundo Jesus Cristo, Ensaio sobre a lucidez, e muitos outros, destaco aqui As intermitências da Morte (2005).

Recebeu no ano de 1998 o prêmio Nobel da Literatura, porém duas obras parecem proféticas para os dias de hoje: O ensaio sobre a cegueira, que já fizemos um post e as Intermitências da Morte.

Cético e irônico, Saramago não deixou de perceber os dramas de nosso tempo, porém a maneira inesperada que acaba O ensaio a cegueira com a volta da visão de muitas pessoas, parece um tanto inexplicável, mas não é para quem ler também o seu Ensaio sobre a Lucidez, diria usando a metáfora heideggeriana que é possível a clareira, se penetramos no drama existencial da vida.

Em As intermitências da Morte, penetra nos dramas existenciais da vida, como um cético religioso, também vai ironizar as saídas com resposta “do alto”, isto é, transferir para “outro mundo” os nossos dramas permanentemente mundanos, entre eles, o que é a própria vida.

Diz numa passagem na página 123: “É possível que só uma educação esmerada, daquelas que já se vêm tornando raras, a par, talvez, do respeito mais ou menos supersticioso que nas almas timoratas a palavra escrita costuma infundir, tenha levado os leitores, embora motivos não lhes faltassem para manifestar explícitos sinais de mal contida impaciência, a não interromperem o que tão profusamente viemos relatando e a quererem que se lhes diga o que é que, entretanto, a morte andou a fazer desde a noite fatal em que anunciou o seu regresso.” (na foto uma figura do quadro de Gustav Klimt).

Depois de indagar em todo livro sobre a vida, coisa pouco comum nos dias de hoje, pois tudo que se quer é a volta a frivolidade, a normalidade do vazio, da ausência de vida, dos consumos e das falsas alegrias, o autor dirá no final do livro que a morte é a normalidade, dito assim:

“Permaneceu no quarto durante todo o dia, almoçou e jantou no hotel. Viu televisão até tarde. Depois meteu-se na cama e apagou a luz. Não dormiu. A morte nunca dorme.” (Saramago, 2005, p. 189).

E conclui que sua ironia comum em tempos que a pandemia sequer era sonhada (sua pandemia foi O Ensaio sobre a cegueira), diz sobre a morte: “(…) Não entendo nada, falar consigo é o mesmo que ter caído num labirinto sem portas, Ora aí está uma excelente definição da vida, Você não é a vida, Sou muito menos complicada que ela, (…)” (Saramago, 2005, p. 198).

Pena, pena mesmo que Saramago jamais tivesse acreditado numa vida verdadeira, esta descrença está também em toda sua obra, em especial “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” (1991), mas ao menos não era indiferente ao tema, algo o “incomodava”.

SARAMAGO, José. As intermitências da morte. São Paulo: Companhia das Letras, 2005

 

O sofisma moderno e a crise da democracia

19 ago

Desenvolvemos através das postagens a crise do pensamento e os sofismas modernos, não mais fundados em justificativas do poder, mas para promover novos modelos neoautoritários de poder, é a psicopolítica como desenvolveu-Byung-Chul Han, que está além da biopolítica de Foucault.

Sobre a reforma do pensamento Edgar Morin desenvolveu uma extensão obra que está sintetizada em seu livro “A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento”, com duas vertentes importantes, além do próprio pensamento reformado: o pensamento ecologizante e a superação do modelo mecanicista.

Um século depois do triunfo da física quântica, o modelo do nosso pensamento ainda é newtoniano, mecanicista e dualista, o modelo quântico admite um terceiro excluído, no quanta a matéria pulsa e há um terceiro estado entre um ponto da matéria e outro, chamado na física de efeito de tunelamento, ele consagra a visão inicial de Werner Heisenberg do princípio da incerteza e redescobre a natureza ondulatória da matéria e não apenas da luz, que é também matéria sem massa.

Edgar Morin utiliza este conceito da incerteza para reformar a reforma, aquela mudança que todos queremos, mas que ainda fica focalizada em dois polos, e induz grande parte do pensamento moderno para fundamentalismos que não admitir reformas nem um terceiro excluído, nem uma terceira via.

Estas vertentes fazem o planeta caminhar para uma crise política da democracia sem precedentes, governos neoautoritários, como Myanmar e agora no Afeganistão e as ditaduras planetas já quase consolidadas em todo ocidente com ameaça de surgimento de novas e ainda mais radicais.

Afirma Edgar Morin em seu livro: “Uma inteligência incapaz de perceber o contexto e o complexo planetário fica cega, inconsciente e irresponsável” (Morin, 2014) e dirá mais a frente: ““[…] um modo de pensar, capaz de unir e solidarizar conhecimentos separados, é capaz de se desdobrar em uma ética da união e da solidariedade entre humanos. Um pensamento capaz de não se fechar no local e no particular, mas de conceber os conjuntos … estaria apto a favorecer um senso da responsabilidade e o da cidadania” (Morin, 2014).

Sem uma inversão da tendência atual teremos uma grande crise civilizatória a vista, veja o estaria na frase de Morin.

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.

 

O conhecimento e uma nova Paideia

10 ago

Paideia era o ideal de educação de Sócrates, o eidos para ser mais exato, mais que formar o homem deveria formar o cidadão, lembre-se e contextualize que a cidade-estado era uma forma de organização específica onde a polis surge como uma organização extra civilizatória, ou seja, não era mera forma de poder, e sim como pensar a cidade como ética e virtude, o primeiro esboço de uma ideia de bem-comum.

Assim definiu Platão, já que só conhecemos Sócrates por Platão, a Paideia era: “(…) a essência de toda a verdadeira educação ou Paideia é a que dá ao homem o desejo e a ânsia de se tornar um cidadão perfeito e o ensina a mandar e a obedecer, tendo a justiça como fundamento”, olhando a sociedade atual é fácil de perceber que não o atingimos.

Contextualizando o período de Sócrates e dos sofistas é aquele em que enquanto o primeiro dizia que era possível e necessário além de organizar o ethos, e da práxis, o conhecimento para alcança-los, este conjunto é a episteme.

A episteme, conhecimento verdadeiro, de natureza científica, em oposição à opinião infundada ou irrefletida, era uma clara oposição aos sofistas, que entre outras coisas diziam que a verdade não pode ser alcançada, então tudo eram formas de manipular a verdade, em termos atuais, apenas narrativas de acordo com conveniências.

Górgias (485-380 a.C.) dizia textualmente: “Nada é; se alguma coisa fosse, não poderia ser entendida; e se pudesse ser entendido, não poderia ser comunicado a outras pessoas”, tese que será negada por Platão, e a alegoria mais conhecida é o mito da caverna que é uma metáfora, e cuja episteme se desenvolverá nas categorias de Aristóteles, com o problema da analogia já abordado.

O conhecimento platônico/aristotélico por um longo percurso da idade médica, podendo ser citados Agostinho Hipona que imagina que a verdade como podendo ser obtida por meio da autorreflexão feita pelo homem e sua interiorização em Deus, na baixa idade média Boécio desenvolve a ideia dos universais e particulares, cuja discussão se dividirá entre nominalistas.

Os nominalistas não admitiam a existência de universais, Roscelino de Compiègne (1050-1120) é um dos fundadores, e por outro lado realistas, como Tomás de Aquino todas as entidades, podem ser agrupadas em duas categorias universais e particulares.

O idealismo emerge como corrente realista, mas se distância dela criando uma objetividade imanente, e a transcendência é o conhecimento que o sujeito tem do objeto, já na fenomenologia, o transcendente é aquilo que transcende a própria consciência, é objetivo no sentido de que só existe consciência de “algo”, e assim está ligada ao sujeito que vai além.

Bachelard (1884–1962) foi um pioneiro a estuda de que forma a epistemologia a referir-se às rupturas “revolucionárias”, cria formas novas de pensar e de saber, voltaremos ao tema.

 

A metáfora e a harmonia

06 ago

Ignorar a linguagem poética não é apenas ignorar a metáfora, as analogias de fato têm uma limitação metafísica, porém a metáfora vai além da analogia e há nela os pressupostos que ainda devem ser verificados pela ciência enquanto verdade.

Esclarece Paul Ricoeur: “o que permanece notável, para nós que viemos depois da crítica kantiana desse tipo de ontologia, é a maneira pela qual o pensador se comporta em relação às dificuldades internas à sua própria solução …. do problema categorial é retomada em suas grandes linhas” (Ricoeur, 2005, p. 419).

Isto não está preso apenas a ideia da analogia que foi reelaborada pelo tomismo, mas a principal fonte de todas as dificuldades “deve-se à necessidade de sustentar a predicação analógica por uma ontologia da participação” (p. 420), esta analogia está no nível dos nomes e dos predicados, assim “é da ordem conceptual” (p. 421).

O ataque à metáfora e a metafísica chegou até a modernidade, ele afirmou “O pensamento olha escutando e escuta olhando” (Heidegger apud Ricoeur, 2005, p. 436), e Jean Greisch diz que este “salto” situa a linguagem “o ´há´ e o es gibt [tem], não há transição possível” e este seria o desvio.

O próprio Ricoeur responde que o que faz esta enunciação como uma metáfora é a harmonia (einklang) entre ist e Grund no “nada é sem razão”, é preciso compreender a metáfora-enunciado.

Lembra a passagem bíblica sobre o farisaísmo incapaz de compreender a transcendência divina (Jo 6,42), “Não é este Jesus o filho de José ? Não conhecemos seu pai e sua mãe? Como pode então dizer que desceu do céu?”, e por isto também não podem compreender o pão do céu, o alimento divino, pois estão presos na alimentação apenas material.

Há sim uma metáfora-enunciado que liga o alimento material ao alimento divino, mas a harmonia é não se prender a uma submetendo-a a outra, conforme explicado no post anterior, este foi o grande argumento tomista para superar a analogia aristotélica: a ciência divina é para Deus, o que a ciência humana é para o criado” (Ricoeur, 2005, p. 423), citando o De Veritate de Aquino.

Claro que o problema da metáfora e da poética não se limita ao saber divino, mas não o impede.

Ricoeur, P. Metáfora viva. trad. Dion David Macedo. BR, São Paulo: Edições Loyola, 2005.

 

A metáfora e a metafísica

04 ago

O auge e a decadência da metafísica de Aristóteles, na análise de Paul Ricoeur está “nas características não-cientificas da analogia, tomada sem seu sentido terminal, reagrupam-se a seus olhos em argumentação contra a analogia” (Ricoeur, 2005, p. 414), e como a analogia era ligada a questão do ser, com ela fica submersa as questões ontológicas.

Entretanto, esclarece Ricoeur, “é porque a ´investigação´ de uma ligação não-genérica do ser permanece uma tarefa para o pensamento, mesmo após o fracasso de Aristóteles, que o problema do ´fio condutor´continuará a ser apresentado até na filosofia moderna” (RICOEUR, 2005, p. 415).

Para o autor, enquanto “o gesto primeiro continua a ser a conquista de uma diferença entre a analogia transcendental e a semelhança poética” (Ricoeur, 2005, p. 416), que ele explicita e aqui não será alongado, o segundo “contra-exemplo” da “descontinuidade do discurso especulativo e o discurso poético” é muito mais grave, e nele vai desde o discurso de Kant a Heidegger.

Explica que isto foi feito num discurso misto que a doutrina da analogia entis alcançou em seu pleno desenvolvimento e que ficou chamada de ontoteologia, pela pretensão de ligar ao Ser a transcendência divina, mas ignorando o discurso tomista, que é “um testemunho inestimável”.

O que o Aquinate faz é “estabelecer o discurso teológico no nível de uma ciência e assim substraí- lo inteiramente às formas poéticas do discurso religioso, mesmo ao preço de uma ruptura entre a ciência de Deus e a hermenêutica bíblica” (p. 417).

Contudo o problema é mais complexo “que o da diversidade regulada das categorias do ser de Aristóteles”, “falar racionalmente do Deus criador da tradição judeu-cristã.  A aposta é poder estender à questão dos nomes divinos a problemática da analogia suscitada pela equivocidade da noção de ser” (p. 417), lembre-se aqui a batalha entre nominalista e realistas medievais.

Explicando que a doutrina da analogia do ser nasceu “dessa ambição de envolver em uma única doutrina a relação horizontal das categorias à substância e a relação vertical das coisas criadas ao criador” (p. 419), ora este foi exatamente o projeto de uma ontoteologia.

Assim, o discurso tomista “reencontra uma alternativa semelhante: invocar um discurso comum a Deus e às criaturas seria arruinar a transcendência divina, assumir uma incomunicabilidade total das significações de um plano ao outro seria, em compensação, condenar-se ao agnosticismo mais completo” (p. 418), ele retoma o problema categorial “em suas grandes linhas” e “é o próprio conceito de analogia que deve ser incessantemente reelaborado” (p. 420).

Fica uma questão a responder, não estaria aqui um “retorno da metafísica à poesia, por um recurso desonroso à metáfora, conforme o argumento que Aristóteles opunha ao platonismos?” (p. 421).

 

Não só de pão o homem viverá

30 jul

Escrevemos no post da semana passada, somo a “multiplicação dos pães”, que sem dúvida tem o aspecto da partilha, mas que o aspecto sobrenatural era esquecido por muitos, reduzindo algo “inefável” a uma situação de solidariedade, e isto é o que estamos desenvolvendo em torno da falta de espiritualidade, e ou a ascese desespituralizada, o termo é de Peter Sloterdijk, claro.

A definição de Sloterdijk é clara: “Como exercício defino qualquer operação que conserva ou melhora a qualificação do ator para realizar a mesma operação da próxima vez, seja ela declarada como exercício ou não” (Sloterdijk, 2009, p. 14), e se aplica a nossa interpretação porque ele fala e personal trainers, mas eles podem ser também eloquentes pregadores, filósofos midiáticos ou qualquer outro tipo que faça “exercícios” para motivar e tirar as pessoas da mesmice, mas é só momentâneo.

Ele anuncia em seu livro uma virada antropotécnica, e o que sejamos aqui é demonstrar uma clareira ontoantropotécnica, ou seja, que ela não é incompatível com a ontologia do Ser, aqui no sentido da ascese e da espiritualidade, explica-se aqui por uma passagem bíblica

Retornemos a hermenêutica bíblica, depois da bíblica que está nos evangelhos sinópticos (Mt 14:13-21, Mac 6:31-44, Lcs 9:10-17 e Jo 6:5-15), Jesus deseja afastar-se da multidão porque queriam torná-lo um “rei” humano (está nas passagens), a multidão volta e vai atrás dele, e o Mestre indaga (Jo, 26-27):

“Em verdade, em verdade, eu vos digo: estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos. Esforçai-vos não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna, e que o Filho do Homem vos dará. Pois este é quem o Pai marcou com seu selo”.

Não há condenação porque eles queriam se alimentar, mas Jesus pede uma “ascese”, esforço para o alimento que não se perde, e este é “quem o Pai marcou o selo”, a ascese encontra a espiritualidade ela exige um alimento a mais: “o pão do céu”, aquele que alimenta a alma.

Se era possível uma interpretação apenas humana e terrena na passagem da multiplicação dos pães, agora a pedagogia de Jesus realiza a hermenêutica necessária para entendê-la.

 

SLOTERDIJK, Peter. Du musst Dein Leben ändern. Über Antropotechnik.Frankfurt, Suhrkamp, 2009.

 

Espiritualidade e ascese

29 jul

Não há uma espiritualidade profunda sem uma ascese e a verdade elevação espiritual demanda tempo e treino, o mestre budista Dalai Lama vê assim: “Desenvolver força, coragem e paz interior demanda tempo. Não espere resultados rápidos e imediatos, sob o pretexto de que decidiu mudar. Cada ação que você executa permite que essa decisão se torne efetiva dentro de seu coração.”

É preciso assim desenvolver um círculo virtuoso onde alguns sacrifícios e abstinências são necessárias, não significa que abandono das questões materiais, mas o uso equilibrado e consciente daquilo que está sendo almejado, seja uma simples paz interior ou um alto grau de religiosidade, o desapego de afecções deve ser feito em passos e com equilíbrio.

A comunicação com o Ser transcendente é também uma boa relação com os seres humanos que passam por nossas vidas, desde o mais complicado até o mais generoso, todos são nossos próximos.

A meditação, o equilíbrio físico e mental, a harmonia do ambiente que vivemos, pode e deve ser simples, a comunicação sensata e cotidiana do que desejamos doar como nosso pensar, o estudo e a pesquisa de grandes mestres do pensamento e da espiritualidade e finalmente aquilo que é o mais alto desejo de uma espiritualidade: a ascese ao divino, ao sobrenatural e ao Todo.

A ascese assim é um caminho, não sem quedas e jamais sem dificuldades, se for sem dificuldades ensinam os grandes mestres de espiritualidade, talvez não seja uma verdadeira ascese (Na foto Quadro de Rembrant).

Por último pode haver ascese sem espiritualidade, elas podem melhorar a saúde, enriquecer e embelezar o ambiente a nossa volta, mas não significam de fato uma elevação da alma.

Orar, meditar e dialogar com todos e tudo a nossa volta, não é loucura dialogar com a natureza, com os animais e com o universo, tudo é criação divina e tudo “fala” do divino.

 

Entre o espírito e a espiritualidade

28 jul

Henri Bergson procurava uma nova filosofia da vida, aquela que vai além do que a inteligência pode atender, a dimensão psicológica e criadora da evolução, complemento esta filosofia com a ideia da noosfera de Teilhard Chardin, não se trata de simples colagem, mas convergência entre a filosofia, a religião e uma espiritualidade que propicie um diálogo com as cosmovisões culturais.

As diferentes teorias da vida pretendem atingir o conhecimento através de categorias desenvolvidas pela inteligência, a sabedoria e a intuição podem ir além, o que diz Bergson a própria inteligência é um produto da evolução, sabemos mais do que sabia o homem primitivo.

A inteligência criada pelas necessidades da vida para agir sobre os objetos, a natureza , o próprio agir e a sabedoria necessária para isto, fundamentou-se inicialmente na matéria, porém ao substituir o todo pela parte, tornou-a ilegítima, para compreender a vida e o sentido da evolução, é preciso um novo método de pensamento que entenda o sentido natural de inteligência, com ajuda da intuição, não é contraditório com a sabedoria presente em várias cosmovisões.

Para Bergson o que caracteriza a inteligência é aquilo que chama de “duração”, partindo da própria existência como seres vivos, para aprender o que é a vida como uma variação perpétua e contínua de nosso espírito, depois levanta a duração do universo que se forma incessantemente, e em cada forma mínima que ele revela seu impulso criador, este estado de mudança extrapola a matemática e a física que só pode modelar cada mudança em uma curta “duração”.

Teilhard de Chardin ao caracterizar o “fenômeno humano” o vê como uma complexificação da matéria, aí diferente de Bergson não vai separar aquilo que ele chama de “matéria” inerte, e para Teilhard de Chardin é um corpo “vivo” de tudo que existe, pelo qual foi acusado de panteísmo, e vê na existência do Universo como Bergson algo que não pode ser separado de uma evolução criadora, que vai modificando formas e mecanismos de interação, também evolui a “sabedoria”.

Também o problema da duração aqui Bergson se distância da ciência, ao menos da atual que vê o tempo não como “duração” mas como uma “dobra”, Chardin está mais próximo da Ciência ao ver na evolução a aproximação da criação e a complexificação do universo, da natureza e do homem a aproximação do Criador e da eternidade.

A evolução de Bergson então caminha para a evolução da vida da consciência, volta assim ao subjetivismo e a consciência abstrata dos idealistas, para Chardin ao chamar o homem de “fenômeno humano” (não é contraditório com feito a “semelhança” de Deus pois caminha para a eternidade), diz que tipo de consciência é a humana, a consciência de sua existência física que não se separa da espiritual.

BERGSON, Henri; A Evolução Criadora, Silo Paulo: Martins Fontes, 2005.

CHARDIN, Teilhard. O fenômeno humano. Trad. Armando Pereira da Silva. SP: Cultrix, 2001.

 

O inefável e a interpretação

23 jul

Antes de fazer o post de hoje, não podemos deixar de registrar as Olimpíadas de Tóquio, cujo abertura acontece hoje e alguns protestos: cinco seleções: Estados Unidos, Suécia, Chile, Nova Zelândia e para surpresa o Reino Unido, se ajoelharam antes de suas partidas de futebol em protesto antirracista, já as jogadoras do feminino da Austrália se abraçaram lembrando a nação aborígene que vive lá e significando a união nacional.

Mas talvez a mais importante manifestação ficou relegada a segundo plano, os manifestantes são chamados de “ultranacionalistas”, o que não é verdade, pois 43% da população era favorável ao adiamento da olímpiada, 40% era contra a realização e apenas 14% são favoráveis.

Era inefável a Pandemia e ela está aí ainda dando sinais de resistência apesar da luta da ciência para vacinas e sua superação, exatamente o povo mais resiliente não renunciou a um evento, e isto também é claro é um problema de interpretação do que de fato ocorre neste momento.

Algo inefável que não esteja sujeito a interpretação e mesmo metáforas seriam pouco para tentar explicá-las são as grandes questões da humanidade: o que somos no universo, para onde vamos e agora mais do que nunca: para onde iremos.

Muitas são as cosmogonias que tentam dar uma interpretação escatológica para estas questões, o certo é que existimos e não porque pensamos (penso, logo existo), mas existimos e isto nos permite o pensamento e a linguagem (sou, logo penso) e com ela é possível a interpretação.

A cosmogonia cristã, há muitas outras em diferentes culturas, é aquela cuja metáfora do grão de semente transforma em vida: a semente que cai entre espinhos, que cai em solo raso e que cai a beira do caminho, o terreno bom a fará germinar e dar frutos, é uma interpretação do inefável.

O texto bíblico da multiplicação dos pães, cuja interpretação terrena vê apenas a distribuição dos bens (Mc 6,1-15), não observa a interpretação inefável pois é Jesus que pergunta a Felipe (Mc 6,5): “Jesus disse a Filipe: “Onde vamos comprar pão para que eles possam comer?”, e depois de multiplicar os 5 pães de cevada e dois peixes, o inefável divino, os homens queria dar-lhe um poder terreno e diz a leitura (Mc 6,15): “Mas, quando notou que estavam querendo levá-lo para proclamá-lo rei, Jesus retirou-se de novo, sozinho, para o monte.”, é uma divina interpretação feita pelo próprio mestre.

 

A linguagem além da lógica.

21 jul

Em toda história da filosofia e mesmo da ciência há três conceitos que ultrapassam em muitos aspectos os conceitos da lógica, entre eles, a verdade o bem e a justiça são os mais comuns, já em

Platão vão além de serem princípios lógicos, eles encarnam princípios cosmológicos e como tais devem recorrer a metafísica, analogia e a metáfora.

Assim, no Livro VI da República, a grande analogia metafísica recai sobre a ideia do bem, homônima da justiça e da verdade: o sol é filho e progênie do próprio bem, e ainda é o seu análogo visível, ali é colocado em sombras das formas na caverna, o contraste com o mundo real e perfeito das formas e a analogia do sol para “clarear” os objetos.

Na ausência do conhecimento, confundem meras sombras com a realidade, e a filosofia é para Platão a ponte pedagógica que serve para passar da completa obscuridade para a luz do conhecimento.

O uso da linguagem pode ser também apenas lógico, na década de 1930, Wittgenstein dizia que como sabemos que na linguagem só há proposições, e surpresas só ocorrem no mundo, então não há surpresas em matemática: a matemática é totalmente “gramatical”, dir-se-ia hoje é apenas sintática.

No contexto da semântica, e da significação, a linguagem adquire outras propriedades e nelas que a metáfora faz sentido, ao dizer José é bravo como um leão, a analogia serve para aumentar o que significa bravo dando-lhe nova semântica à sintaxe: José é muito bravo.

Mas a metáfora é também contextual, o belo poema de Fernando Pessoa “O poeta é um fingidor“ só é compreendido se sabemos que “comboio de corda” refere-se a uma brincadeira de criança nas décadas de 20 e 30 do século passado e que “calhas de roda” referem-se aos trilhos, ali:

E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.

Há ainda a penetração da metáfora no mistério, o inefável como já postamos, e poder afirmá-lo.