RSS
 

Arquivo para a ‘Linguagens’ Categoria

Realismo moderado e a contemplação

06 dez

Já foi postado que a ruptura da vita contemplativa se deu devido ao homo laborans, ou seja, na modernidade quando o trabalho se torna um imperativo econômico, principalmente para as camadas mais pobres da sociedade, no início da revolução industrial sequer havia limite de horário aos trabalhadores e muitas indústrias desrespeitavam até sábado e domingo.

Porém a questão surgiu já na idade média, o trabalho organizado nos mosteiros, e muitos dos primeiros monges beneditinos vinham da nobreza, era realizado pela primeira vez por homens livres, e inclusive a palavra “tripalium” de onde vem trabalho significava tortura (estripar).

Enquanto pensamento neste período medieval surge a querela dos universais, há várias versões para sua origem, mas uma bastante aceita é um fragmento encontrado dos escritos de Boécio (480-525 d.C.), anterior a Tomás de Aquino, ele traduziu para o latim e comentou Aristóteles, embora parcialmente, e fez uma introdução às “Categorias” de Aristóteles.

A querela tratava de questionar se estas categorias eram coisas reais que existiam ou apenas nomes que se davam às coisas, daí as correntes realistas e nominalistas medievais, que chegaram até os nossos dias com a questão da viragem linguística retomada recentemente.

O fato destas coisas existirem ou não significa que devemos ver o Ser como ser de linguagem, conforme defende Heidegger ou simplesmente um fruto do meio material e suas variações, não é apenas o materialismo corrente derivada do objetivismo, mas de uma visão do subjetivo, afinal aquilo que é próprio do ser (subjetivo vem de sujeito).

O realismo moderado na idade média se aproximava, mas colocava limites no realismo, por exemplo de Tomás de Aquino, que como Boécio vai reler a obra de Aristóteles, em sua Suma Teológica, vai caracteriza como razão e esta é uma raís esquecida do racionalismo moderno.

Boécio bem anterior na leitura de Aristóteles faz a escolha entre um realismo “transcendente” ou extremo, mais de caráter platônico, e um realismo “imanentista” ou moderado, com influência de Aristóteles, é importante frisar que Boécio era leitor de Porfírio de forte influência.

A questão deixada por Boécio era “se” os universais (categorias) existiam, só para exemplificar a ideia de animais que são cavalos genérica ou os cavalos reais com raça, cor e sua espécie, e que pode ser compreendido em dois comentários:

“visto que seja necessário, Crisaório, saber, pela útil contemplação destas coisas, o que é o gênero e o que é a diferença, o que é a espécie e o que é o próprio e o que é o acidente, tanto quanto ao que em Aristóteles … Em seguida, certamente me recusarei a falar,  sobre  os  gêneros  e  as  espécies,  o  seguinte:  subsistem  ou  são  postos  em  intelecções  isoladas e nuas? Subsistentes, são corporais ou incorporais?” (Boécio, 1906, p. 147).

A questão merece ser aprofundada visto que os “nomes” das coisas significam uma linguagem.

BOÉCIO. In Isagogen Porphyrii Commenta. Corpus Scriptorum Ecclesiasticorum Latinorum, vol. 48. Vindo-bonae: F. Tempsky/ Lipsiae: G. Freytag 1906.

 

Entre a imortalidade e a eternidade

05 dez

Não é apenas um tema espiritual como parece, o Vita Activa de Hannah Arendt cita por Byung-Chul é uma correção de rota, de nos retirar da simples temporalidade mortal, para o “tempo que é próprio aos deuses, que não morrem e não envelhecem, e do cosmos imortal” (Han, 2023, p. 145), onde diferencia imortalidade de eternidade.

A busca da imortalidade é, novamente Han citando Arendt, “a fonte e o centro da vita activa”. Segundo o autor, o “ser humano conquista sua imortalidade no palco do político.  Em contrapartida, o objetivo da vita contemplativa não é, segundo Arendt, o persistir e durar no tempo, mas a experiência do eterno, que transcende tanto o tempo como também o mundo circundante” (Han, 2023, p. 145), em outras palavras, imortalidade é a busca insensata do palco político, enquanto eternidade é a busca da experiência de eternidade já aqui e agora.

Mas alerta o autor que o ser humano não consegue demorar-se na experiência do eterno, “ele precisa retornar ao seu mundo circundante” (idem), ao compará-la com o pensador, ele logo que começa a escrever abandona a experiência do eterno, assim se entrega a vida activa, e é nela que espera alcançar a imortalidade, Arendt admira Sócrates que não escreve, embora a própria Arendt pensou e registrou seus pensamentos com a intenção da imortalidade (Han, 2023, p. 146), mas a escrita pode ser uma contemplação diz o autor.

Na visão de Byung-Chul a maneira que Arendt vê o mito da caverna de Platão, na verdade é uma história completamente diferente, ela é de um filósofo que liberta da corrente os seus companheiros às sombras que oscilam diante deles, as quais eles consideram a única realidade (pag. 147-8), Platão pede a Glauco imaginar: o que aconteceria com os filósofos se depois de ter visto a verdade voltasse a ela e tentasse libertar os preços das ilusões?  (pag. 148).

A “parrehesia” (abertura da verdade) é uma situação de risco, “o filósofo age, quando apesar do perigo de morte, retorna a caverna” a fim de convencê-los da verdade, assim a ação antecede o conhecimento da verdade, enquanto a contemplação é o caminho do conhecimento para a verdade, que precede a ação (pag. 149).

Afinal a própria polis grega e o pensamento de Platão tiveram origem nos diálogos de Sócrates escritos pelo próprio Platão, este sim uma verdade contemplativa e discursiva (diria dialogal, mas o termo pode ter interpretações dúbias), assim a ação precede o pensamento em Platão.

Segundo a crítica de Hans, a ideia de que a perda da capacidade contemplativa levou a vitória do “animal laborans” que submete tudo ao trabalho com a consequente perda da capacidade contemplativa e sua reintegração a natureza e ao planeta.

Han cita Santo Gregório, um mestre da Vita Contemplativa: “quando um bom programa de vida exige que se passe da vida ativa à contemplativa, é frequentemente útil que a alma retorne da vida contemplativa à ativa, de tal modo que a chama da contemplação desperta no coração entregue toda sua plenitude de atividade” (pag. 151), assim se vive a eternidade terrena.

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa. Trad. Lucas Machado, Brasil, RJ: Petropolis, 2023.

 

Palestina, General de Inverno e Essequibo

04 dez

A trégua infelizmente acabou porque o Hamas cometeu um atentando no último dia de trégua, matando um rabino e duas mulheres, segundo a imprensa israelense, e a milícia Al-Qassan, braço armado do Hamas, reivindicou o atentado.

Segundo o FDI (Forças de Defesa de Israel) 200 alvos do Hamas já foram atingidos, um deles um suntuoso prédio que funcionava a Suprema Corte do Hamas, a escala da guerra retorna.

General de Inverno é o nome dado ao inverno russo durante as guerras porque tanto na invasão napoleônica (1812) quando o exército de um conjunto de alianças (é importante lembrar que algumas nações europeias apoiavam) perde a guerra devido o inverno, também na segunda guerra mundial o inverno foi decisivo para a Alemanha perder a guerra.

O que pensar agora do inverno na Ucrânia, onde a Rússia teve avanços em vários fronts, no entanto ela tem problemas na Criméia onde há grande parte da munição russa, o inverno lá prolonga até março e a Ucrânia dá sinais de fraquezas e perde parte dos apoios, agora países como a Finlândia e a Polônia já se mobilizam em defesa própria sobre uma possível invasão.

Por último, um front pode aparecer na fronteira do Brasil, o exército já enviou tropas para a região devido a possibilidade de invasão do território brasileiro que seria estratégico para uma invasão da Venezuela contra a frágil força militar da Guyana (antiga Guiana Inglesa).

Um referendo feito na Venezuela nestes dias, é bom lembrar que Maduro controla todo o aparato do Estado, deu parecer favorável a 5 questões sobre uma possível invasão da Guiana de Essequibo como é chamada a região que hoje pertence a Guyana, uma das questões desafia o Corte Internacional de Justiça que proibia a Venezuela de qualquer invasão.

Enfim um cenário desastroso de crise civilizatória vai se agravando, mas acreditamos na paz.

 

A sociedade que vem

01 dez

Este é o título do último capítulo do livro de Chul Han “Vita contemplativa”, nele analise a crise religiosa e suas consequências para a cultura, o ser e a sociedade atual.

Inicia afirmando: “a atual crise da religião não se pode deixar reduzir simplesmente a que perdemos a fé em Deus ou que nos tornamos desconfiados de certos dogmas” (pg. 153), ela reside no fato que perdemos a capacidade contemplativa, uma crescente coação tanto da comunicação como da produção dificulta o “demorar contemplativo”, não há como “parar”.

Cita Malebranche (1638- 1715) que dizia que a atenção é como uma “prece natural da alma”, a nossa hiperatividade pode ser responsabilizada pela religiosa, “a crise da religião é uma crise da atenção” (pg. 154), e o pior que o autor não aponta, o fanatismo dominou a “atenção”.

Diz o autor “escutar é o verbo para religião”, mas também é para meditação, estudo, contemplação e reflexão, seja qual for o princípio do limiar de um pensamento ele requer uma parada, uma inatividade. 

No pensamento atual do romantismo, “a liberdade é desacoplada do si mesmo”, a ação dá lugar ao escutar: “somente a tendência a intuição, quando direcionada ao infinito, põe em mente a liberdade ilimitada” (pag. 159) diz o autor agora citando Schleiermacher.

Ainda citando Schleiermacher, escreve que as lágrimas interrompem o “feitiço que o sujeito coloca na natureza” (pag. 160), dissolvido em lágrimas, o sujeito se entrega à Terra.

Agora citando Agamben em “A comunidade que vem” afirma sobre o reino vindouro do Messias que Walter Benjamim teria contado a Ernest Block e está citando em Han:

“um rabino, um verdadeiro cabalista, disse uma vez: para instaurar o reino da paz, não é necessário destruir tudo e dar início a um mundo completamente novo; bastaria deslocar um pouquinho essa taça ou esse arbusto ou aquela pedra, e do mesmo modo todas as coisas. Mas esse pouquinho é tão difícil de realizar e a sua medida tão difícil de encontrar que, no que diz respeito ao mundo, os homens não o conseguem e é necessário que chegue o messias” (Aganbem apud Han, 2023, pg. 171).

É esta chegada, chamada parusia (uma nova vinda para os cristãos) que também se celebra no Natal (na segunda semana do advento).

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa. Trad. Lucas Machado, Brazil, RJ: Petropolis, 2023.

 

A contemplação e a polis

30 nov

O título do quinto capítulo do livro Vita Comtemplativa de Byung-Chul Han é O phatos da ação, começa descrevendo os dois conceitos sagrados da tradição judaica: Deus e Sabá, para a cultura judaica Deus é Sabá, ou seja, é redenção, o imortal (pag. 107), ontem o tempo é suspenso, ou seja, comparando com o conceito de Han é a inatividade.

A criação do ser humano não é o último ato da Criação, só o repouso do Sabá a consuma, o mundo é similar a câmara nupcial: “falta-lhe porém a noiva. Só com o sabá chega a noiva” (Han, 2023, p. 108), que é uma citação de “Der sabbat” de Heschel.

A analogia com a noiva será usada também nas parábolas das noivas, a chegada “daquele dia” em que o noivo vem busca-la e deve encontrar as lâmpadas acesas (desenvolvendo em torno do tema da prudência), Arendt vai modificar a ideia do repouso divino complementando-a com a liberdade princípio para um novo começo (ou recomeço, necessário em muitas etapas da vida), diz a citação de Han:

“com a criação do ser humano, o princípio do começo (que na criação do mundo estava nas mãos de Deus e, portanto, fora do mundo) aparece no próprio mundo e permanecerá imanente a ele enquanto houver seres humanos; o que, naturalmente, naturalmente, em última instância, não quer dizer outra coisa senão que a criação do ser humano como um ´alguém´ coincide com a criação da liberdade” (apud Arendt, Han, 2023, p. 109).

“O “sentimento de realidade” que se deve apenas a ação; ou seja, ao atuar e produzir um efeito, reprime completamente o sentimento de ser. O sentimento de festividade, no qual é possível experienciar uma realidade superior, é estranho a Arendt” (Han, 2023, p. 112).

Este conceito é o temenos da polis grega, que significa o espaço sagrado recortado do espaço público que é reservado às divindades; um peribolos (literalmente um cercadinho ou um cercado), ou seja, um espaço cercado, uma área do templo delimitado por muros. Temenos é um templum, um lugar consagrado e sagrado, a palavra contemplação remonta ao templum.

Assim o templum é parte da polis, na sua viagem à Grécia, Heidegger tem em mente a acrópole quando escreve sobre a polis: “ … essa polis não conhecia, assim, a subjetividade como medida de toda objetividade. Ela se submetia ao jugo dos deuses, que, por sua vez, estavam submetidos ao destino, à Moirá” (apud Heidegger, Han, 2023, p. 113-4) (na foto a Acrópole grega).

Ao apresenta-la apenas como liberdade e ação, Han critica Arendt, a dimensão cultural das festas, rituais e jogos não tem lugar em seu pensamento e elas eram integrantes da polis.

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa. Trad. Lucas Machado, Brasil, RJ: Petropolis, 2023.

 

Contemplação e o Ser

29 nov

O terceiro capítulo sobre a “Vita Contemplativa” de Byung-Chul começa com um texto de Walter Benjamim sobre a pintura Angelus Novus em nanquim, giz pastel e aquarela sobre papel de Paul Klee de 1920, que atualmente está no Museu de Israel, em Jerusalém, no acervo cristão.

Descreve a citação de Benjamim: “é representado aí um anjo que parece como se estivesse a afastar de algo que ele encara. Seus olhos estão arregalados, sua boca aberta e suas asas estendidas. O anjo da história deve parecer assim.  Ele virou o rosto para o passado. Onde uma cadeia de acontecimentos aparece para nós, lá ele vê uma catástrofe que empilha incessante- mente escombro após escombro, escorregando diante de seus pés.  Ele bem gostaria de se demorar, despertar os mortos e juntas os abatidos” (apud Han, 2023, p. 57) e continua.

Termina o texto de Benjamim com uma sentença: “Aquilo que chamamos de progresso é uma tempestade” e assim começa o capítulo “Da ação ao ser”.

Hannah Arendt foi a primeira a compreender o século XX como época da ação, diz o autor, mais para frente no texto o autor lembrará que o antropoceno foi o resultado (eu diria a tentativa, já que a natureza se rebela) da submissão da natureza à ação humana, perdendo sua autonomia e dignidade, “fazemos” história ao agir afirma.

O que podemos fazer sobre esta ação catastrófica sobre a natureza, Arendt confessa que não pode oferecer nenhuma solução, citada por Han: “abordar a essência e as possibilidades da ação, que nunca tinham se mostrado de modo tão aberto e se desvelado em sua grandeza e em seu perigo” (apud Han, 2023, p. 59).

Ela aponta um caminho no pensamento que seria um tipo de “filosofia da política” que traria uma reflexão sobre a problemática da ação humana, em “Vita activa” ela expõe (eu penso recupera) a ação humana em sua grandeza e dignidade (pag. 60).

Refletindo ainda sobre a figura do Angelus novus (acima), “seus olhos arregalados refletem sua impotência, seu horror. A história humana é um apocalipse em avanço. Trata-se, aí, de um apocalipse sem acontecimento”, a relação com a atualidade de acontecimentos é notável.

Anos antes de Arendt publicar Vita Activa, Heidegger havia dado uma palestra Ciência e Reflexão onde dizia que em oposição â ação que impulsiona adiante, a reflexão nos traz de volta apara onde sempre já estamos. Ela nos abre um ser-aí (Da-Sein) que precede todo fazer, todo agir e que se demora (Han, 2023, pg. 62).

O mesmo Heidegger vai escrever em Cadernos negros: “O que aconteceria se o pressentimento do poder silencioso da reflexão inativa desvanecesse?” e reflete Han: “o pressentimento não é um saber deficiente. Antes, ele nos abre o ser, o aí, que se furta ao saber proporcional.  Só por meio do pressentimento temos acesso àquele lugar no qual o ser humano já sempre se encontra …” (pag. 63).

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa. Trad. Lucas Machado, Brazil, RJ: Petropolis, 2023.

 

A vida e a contemplação

28 nov

Não, não se trata da arte de observar a natureza ou o universo, pois também o ato de observar é já uma “vida activa” pois certamente não escapará alguma interpretação ou detalhe que nos chame a atenção.

Trata-se de outros sentidos: escutar sem interpretar, olhar com um olhar purificado e entender aquilo que é incompreensível a razão humana, assim não é uma atitude racional, nem um desvario ou delírio sensitivo, é um exercício da “inatividade” escreve Byung-Chul Han.

Escreve o autor em Vita Contemplativa: ou sobre a inatividade (Han, 2023, p. 11): “A inatividade constitui o Humanum. O que tornar o fazer genuinamente humano é a parcela de inatividade que há nele. Sem um momento de hesitação ou de contenção, o agir se degenera em ação e reação cegas. Sem repouso, surge uma nova barbárie.”

Portanto inatividade contemplativa não se confunde com preguiça, ausência de ação, mas um repouso para a ação clarividente e a fala profunda, diz o autor: “É o silenciar que dá profundidade à fala. Sem o silêncio não há música, mas apenas barulho e ruído. O jogo é a essência da beleza. Onde impera apenas o esquema estímulo e reação, de carência e satisfação, de problema e solução, de objetivo e ação, a vida se reduz à sobrevivência, à vida animalesca nua” (idem) e não por acaso se confunde com a vida moderna atual.

Não somos máquinas sempre destinadas a funcionar, a verdadeira vida da ação consciente, começa quando cessa a preocupação com a sobrevivência e nasce a necessidade da vida crua.

A confusão apareceu por causa da confusão entre história e cultura, não a história das ideias (no sentido do eidos grego), mas aquela que ignora a cultura e trata apenas do poder e da opressão dos povos, diz o autor: “a ação é, de fato, constitutiva para a história, mas não é, a força formadora da cultura” (Han, 2023, p. 12) (quadro: A contemplação do filósofo, Rembradt, 1632).

E acrescenta no mesmo trecho: “Não a guerra, mas a festa, não as armas, mas as joias, são a origem da cultura. História e cultural não coincidem” (Han, idem).

Podem parecer estranho as “jóias”, mas o núcleo de nossa cultura é o ornamental. Ela está situada além da funcionalidade e da utilidade.  Com o ornamental que se emancipa de qualquer finalidade ou utilidade, a vida insiste em ser mais que a sobrevivência” (idem).

As grandes religiões instituíram o sagrado na inatividade o domingo cristão, o sabbath dos judeus, o Ramadã islâmico, não se tratam apenas de inatividade, mas um dia de “contemplar”.

O homem “activo” de busca de vida “intensa” e desenfreada de estímulos e respostas, cai num vazio de sentido e num fazer meramente de luta pela sobrevivência, pouco ou nada de humano resiste, e se queremos retornar ao processo civilizatório, a cultura, o ornamental e a festa devem retornar ao cotidiano, tempo de Natal e de festa de fim de ano, tempo de parar.

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa. Trad. Lucas Machado, Brazil, RJ: Petropolis, 2023.

 

Guerra intensa e reféns libertados

27 nov

A Rússia afirmou neste domingo (26/11) que derrubou drones nas quatro regiões em guerra, incluindo alguns próximos a Moscou e também dois mísseis foram interceptados, já a ucrânia afirma ter eliminado mais de mil soldados e 30 tanques russos nas regiões de guerra.

No sábado havia um forte ataque de drones contra Kiev, segundo Moscou o maior desde 2022.

As tratativas de guerra continuam, porém as sanções impostas pela Moldávia criou uma nova zona de conflito entre Moscou e o Ocidente, a Moldávia teme ser o próximo alvo da Rússia.

O mais grave do conflito Israel e Hamas é o uso de civis como reféns (foto).

Na faixa de Gaza segue a trégua entre o Hamas e Israel, a troca de reféns por soldados do Hamas continua, ontem foi o terceiro dia, no total o |Hamas libertou 58 reféns enquanto Israel libertou 117 palestinos, por ordem estes foram os números de reféns solto.

Primeiro dia de trégua 24 reféns, segundo dia (sábado) 17 reféns e terceiro dia (domingo) 17 reféns, embora o acordo seja apenas de 4 dias, e se encerraria hoje, a expectativa é que possa progredir até 4ª. feira.

O papa Francisco sempre otimista, falou em sua última referência a guerra que a humanidade (claro os que tomam as decisões políticas) optaram pela guerra em vez da paz.

Os conflitos já são uma grande tragédia humanitária e poderão se tornar uma grave crise tanto humanitária quanto civilizatória.

 

O exame de consciência final

24 nov

Podemos estar (ilusoriamente) construindo a felicidade (boa-vida na filosofia) pessoal sem se importar com o Outro, a sociedade vive hoje a negação do Outro e da dor, porém este é o caminho para as disputas, as rivalidades e em último estágio as guerras.

O mundo contemporâneo vive com a descrença, a falta de consciência individual e coletiva, o que importa é resolver o próprio problema, não faltam literatura para isto ou para o sucesso fácil ou para o consolo individual com os livros de autoajuda, não escapam as receitas tidas como “espirituais”, mas na sociedade de exercícios, trata-se de uma ascese desespiritualizada.

Como tratamos a dor significa como vemos a pobreza, o descaso com a saúde (nem os planos médicos resolvem mais), a falta de saneamento básico, os abusos púbicos da imoralidade, isso sem falar dos sistemas prisionais, a destruição das drogas e as diversas marginalizações sociais.

O exame de consciência, como diz a boa literatura é aquela consciência de algo, não a do conforto dos condomínios fechados, do isolamento social em refúgios, mas aquela consciência de si e do Outro, que outra para o conjunto social e suas enfermidades, não esquecendo as morais, a qual parece que se perdeu todas as referenciais.

Não falta literatura e pensamento sobre estas questões, mas a pergunta final é como se reverte estas questões, como evitamos o ódio crescente, as polarizações fanáticas e no final de tudo as tendências de guerras cada vez mais cruéis e envolvendo diversos povos?

O exame de consciência é este sim de que lado estamos, não da irracionalidade pública e até mesmo política, mas ao lado dos que sofrem, daqueles que perderam as esperanças, daqueles que por determinado motivo justificável ou não, olham para a vida como um fardo.

O Exame de Consciência final é aquele, que também é bíblico (Mt 25,34-35): “ ‘Vinde, benditos de meu Pai! Recebei como herança o Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo! Pois eu estava com fome e me destes de comer; eu estava com sede e me destes de beber; eu era estrangeiro e me recebestes em casa; 36 eu estava nu e me vestistes; eu estava doente e cuidastes de mim; eu estava na prisão e fostes me visitar’ “.

Portanto se trata de fazer este exame de consciência pessoal e socialmente, de que lado se está?

 

Doença, sistemas de saúde e abandono

23 nov

A doença faz parte da experiência humana, não é específica desta ou daquela classe, raça ou etnia, entretanto o modo como tratamos diferentes tipos humanos é muitas vezes um desrespeito e um sintoma de que algo vai mal na estrutura social.

Primeiro é claro deve haver um sistema que permita o acesso aos tratamentos de modo mais amplo possível e seguro, depois vem a questão da proximidade de familiares, amigos e em especial do próprio sistema que deve tratar do doente e não só da doença.

A experiência da fragilidade humana em diversas situações, e também numa doença grave, é a que deve despertar maior solidariedade e harmonia entre as pessoas que estão próximas e aos sistemas de saúde, a pandemia revelou uma grande fragilidade, embora os sistemas tenham funcionado, o grau de solidariedade e responsabilidade permaneceu em patamares sórdidos.

Não melhoramos humanamente com um flagelo tão grande que abalou todo o planeta, a expectativa que sairíamos mais solidários desta experiência não se confirmou.

O filósofo coreano-alemão expressou em uma palestra na universidade …., expressou assim seu sentimento do pós pandemia: “dramático que não sejamos capazes de tocar em outra pessoa, pois isso transmite uma energia incrível”, “não nos tocamos mais, nem contamos histórias entre nós” (referência ao seu último livro “A crise da narração”), e sentenciou: “estamos mais sós do que nunca”.

No livro “A sociedade paliativa” Byung-Chul citando Ernest Jünger escreve: “Dize tua relação com a dor, e te direi quem és!”, nossa relação com a dor na sociedade mostra como vivemos hoje, os que falam de paz, muitas vezes torcem e até desejam a guerra, não todos claro.

HAN, B.C. Sociedade Paliativa: a dor hoje. Trad. Lucas Machado. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 2021.