O ser em esferas e o ser-de-si
Sem dúvida alguma o maior mal de nossos temos junto com a exclusão econômica e social, é a exclusão por características humanas específicas: doenças, tipo físico e até mesmo intelectual.
Já destacamos em nossos posts, a importância da tríade das Esferas de Petr Sloterdijk: Esferas, na qual descreve diversos aspectos de uma sociedade isolada em “bolhas” (nome do primeiro livro, já com tradução para o português) “Esferas I: bolhas” (Estação Liberdade, 2016).
Trata-se de um lugar, a esfera, onde se pode proteger, não é lugar de conforto mas de segurança, que no tratamento dado por Sloterdijk é a tradição do pensamento, que aparece como um lugar de proteção de uma humanidade que, para se proteger, se mura de pedras, armas, canções e ideias, e não seria de esperar de modo diferente para o mundo cibernético.
No conceito de Sloterdijk, que é diferente daquele tratado como “identidade” pois as esferas tem identidade que são fugazes, trata o problema humano onde estamos quando estamos no mundo? Por isso é uma consequência do pensamento de Heidegger o “ser-no-mundo”.
A sociedade atual dissolveu suas relações protetoras de intimidade em relações cinzentas formais, a questão se transfigura: onde estamos quando estamos no descomunal, na falta de abrigo da exterioridade absoluta, portanto é um problema maior que o enfoque de Domenico de Mais, não se trata apenas a perda de projetos sociológicos, mas de uma ruptura humana.
Não é também apenas o mal estar da modernidade, de fundo puramente psicológico como o tratado por Freud, o sentido que Sloterdijk dá para a “bolha” é o que se pensa por “espírito” ou “alma” é apenas o “ar” da vida insuflado em um espaço partilhado
Isto é claro já no pensar o espaço interior, início de seu livro, quando Sloterdijk demonstra a pendência de sua microesferologia com relação à psicologia contemporânea, aquilo que a filosofia chama de si (Hegel usa esta categoria para diferenciar o em-si), de si e passou a permitir se pensar o surrealismo da espacialidade humana, a saber, de ser conteúdo e continente, assim quando se fala de produção de conteúdo dever-se-ia falar do continente.
A crença religiosa na fusão mística e no encantamento fisiológico dos casos descritos por Sloterdijk, que fala do coração e da alma de figuras como Catarina de Sena e Raimundo de Cápua, que fala da troca do próprio coração com o de Vristo, revelavam o caráter relacional dos corpos humanos e que encontra até mesmo no Banquete de Platão e que foram anulados pelo “individualismo anatômico”, segundo o autor, quando se começa a dissecação de cadáveres, nos séculos XVI e XVII.
Apesar de uma linguagem que vai do poético ao mordaz, a crítica que Sloterdijk faz ao nosso tempo para ser fundamental, que poderia ser grosso modo dita como “ser-em-esferas”.