Incompletude da pós-verdade
Antes de saber o que é pós-verdade, é preciso saber se há alguma definição de verdade, e isto nos leva aos primórdios da civilização ocidental, onde sabia-se que a verdade estava oculta, ou seja, seja para Aristóteles ou Platão, o ápice da cultura grega da antiguidade, a verdade estava oculta, ou seja, era necessária uma aletheia, termo grego para não oculto, manifesto, ou ainda mais a (negação) lethõ (esquecer), portanto só há verdade sobre um fato ocorrido.
Para a filosofia grega era claro que a “doxa” ou a opinião era contrária a episteme, ou ao conhecimento sistematizado e organizado, mas toda episteme implica num método, ou seja, vem daí epistemologia, ou a forma de organizar e comprovar determinado conhecimento.
O assunto surgiu no contexto da política atual pelo fato de alguns políticos, evito os nomes para evitar a polarização doxológica (de opiniões) passaram a querer negar fatos, ou seja, o que estava registrado e comprovado, e mesmo assim negavam, mas isto não é novo.
Já no seu ensaio de 1967 “Verdade e Política”, Hannah Arendt estabeleceu que a verdade que é baseada em fatos podia ser comprovada e verificada, mas os políticos insistiam em revidar e fazerem discursos baseados em opiniões, portanto não é novo, e a ver com a midia é outra coisa, o monopólio de opinião e que quase sempre não está fundamentada em dados.
O fato de existirem midias de redes sociais não é novo, grupos de opinião sempre existiram só que eram hegemônios donos de jornais e revistas, e agora não são, passa a ter um confronto aberto de opiniões, que transformam-se em torcidas organizadas, com apelos emocionais e doxológicos.
Não é por acaso que políticos populistas, que todos beiravam ou eram declaradamente fascistas eram grandes oradores e capazes de provocar fascínios nas massas, o fascínio hoje é outro, a capacidade de articular fatos e usar imagens ou dados que simulam falsas epistemes.
O Brasil foram os casos do mensalão, do petrolão e outros mal esclarecidos que geraram um corpo de meias-verdades que inflamaram e atingiram grande parte da opinião pública, outra foi a pouca consideração com valores culturais e morais da sociedade, quer seja os religiosos, quer seja a cultura negra, indígena e as regionalidades brasileiras, houve muitas não-verdades.
É tão difícil compreender as vezes, que mesmo tentando esclarecer os fatos ficamos confusos, por exemplo, em Portugal ocorre agora um famoso caso de Tancos, um quartel de armas onde um caminhão de armas foi roubados e precisei de um amigo português para entender, há meias-verdades de todo lado e muita gente alta parece envolvida, e as armas foram devolvidas com até uma caixa a mais, parece piada mas não é, um brinde dos ladrões.
A parte da verdade dos fatos, existem as correntes de “opiniões” onde o termo talvez seja inadequado, seria melhor correntes de culturas divergentes ou até opostos, sem o diálogo amplo necessário a tendência são as torcidas (claques em Portugal) crescerem e aumentar o número de conflitos, onde a intolerância impera o risco de graves conflitos é eminente.
Separa-se aqui então “opinião” de divergência epistemológica, cultural ou metodológica, pois diferentes caminhos para se obter a verdade devem ser pensados a parte das paixões, senão a possibilidade de caminhos concretos para superar crises ficam bloqueados e a razão desaparece.