A subida ao Divino, como viver na crise
É nestes momentos de crise que se descobre a natureza humana de Deus e a divina do homem, mãos que salvam, que socorrem, que se solidarizam e que apontam caminhos impensados, mas onde estará Deus, o que nos diz esta pandemia com tanta gente morrendo.
Edgar Morin e Patrick Viveret escreveram “Como viver em tempo de Crise”, a tradução brasileira é de 2013 e versão original francesa de 2010, não estão portanto falando desta crise, conhecendo Morin e lendo o livro percebemos que é aquela noite do pensamento que falamos (ver post).
Coerentes com nosso pensamento, ele vai de encontro a ambiguidades, e faz logo de início uma comparação entre Pascal e Descartes: “ Pascal traz o senso de ambiguidade para ele, o ser humano traz em si o melhor e o pior. Descartes não, devemos ser Pascalinos“ (pg. 10) e se permitimos o senso religioso também seres pascais, passar da morte para a vida, e viver na crise.
Há um pensamento profundo em Morin, que já expressou de outras formas, que neste livro é mais surpreendente: “Gostaria de propor, a respeito do período histórico que entramos, uma leitura próxima àquela do Apocalipse, no sentido original da expressão (sic), não de catástrofe, mas de revelação (grifo nosso), de um tempo crítico da humanidade consigo mesma, permitindo-lhe trabalhar o essencial” (pg. 34), acusá-lo de religioso seria ignorância e de sem esperança, má leitura.
Chama o modelo da crise que vivemos de DCD, “desregulação, competição desenfreada, deslocamento*”, em nota explicando este último, é a produção manufatureira deslocada de um país para outro, concentrada na China por exemplo, o caso de equipamentos e máscaras necessários para o combate ao corona vírus.
Este modelo com fundamentos econômicos, é chamado por Karl Polanyi de “sociedade de mercado” e que atualmente é chamado por Joseph Stiglitz de “fundamentalismo mercante” (p. 36), os autores dão o diagnóstico da crise: “formado por esta dupla excesso/mal-estar” (p. 40).
Dão ainda dois diagnósticos essenciais e surpreendentes, dizendo que Bin Laden que era muçulmano citava o Satã do Apocalipse para se referir a Roma, e diz “qual é a grande força dos profetas É precisamente dizer que a questão do desumano nos é interior” (p. 58), “A ideia que o mal são os outros nos impede de tratar a própria barbárie interior” (idem).
Parece que ficamos sem saída, mas a resposta dos autores é precisa: “O provável é aquilo que, em determinado lugar e momento, projeta um observador inteligente, dispondo das melhores informações sobre o passado e presente, para o futuro. O provável, portanto, é que caminhamos para o abismo. E, no entanto, sempre houve o elemento improvável na história humana” (p. 21).
Assim tanto a mudança interior, como alguma intervenção “improvável” acontecem na história.
Todo o capítulo 3 do evangelista João é marcado por uma revelação, que se faz ao caminhar com os homens, e mostra como a realidade divina de Jesus Ressuscitado é contextual e adaptada ao mundo, no entanto “aquele que Deus enviou fala a linguagem de Deus” (Jo 3, 34), e é claro que boa parte do discurso religioso não expressa isto, mas apenas a ambiguidade humana, que existe como afirma Morin, mas só é superada pelo improvável, ao aderir a ela há uma nova mudança.
MORIN, Edgar; Viveret, Patrick. Como viver em tempo de crise. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013.