A verdade é lógica, ontológica ou poder
Os sofistas diziam que o homem é a medida das coisas (Protágoras), não para afirmar qualquer princípio ontológico, apenas para reafirmar o status quo vigente que em última instância é o poder, usavam para isto a arte da persuasão (Górgias) e por último afirmavam a conveniência do mais forte (Trasímaco), quase todos aparecem nos diálogos de Platão, através dos diálogos de Sócrates) e cuja preocupação era contestá-los para afirmar a democracia da polis.
Depois vivemos vários séculos organizando as leis até fazer a passagem da cidade-estado grega para os burgos pós-idade média, onde o liberalismo vai crescer até tornar-se o Estado moderno, criando o conceito de nação e o contrato social que rege determinado povo.
Para a visão epistemológica moderna, a verdade está ligada ao objeto (a coisa em si) e isto o torna relativa, pois está submetida ao espaço, ao tempo e às categorias, este conceito vem de Aristóteles, mas foi sobre ele que o pensamento da idade média se dividiu entre nominalistas e realistas, mas para ambos e também para Descartes que vai estabelecer a res-extensa (matéria), a res-cogitans (coisa pensante) e a res divina (coisa pensante perfeita, infinita).
É Kant que faz a ligação da coisa pensante sobre o objeto tornando-se relativa, pois tal verdade é ao sujeito cognoscente tendo então uma face subjetiva, própria do sujeito, para ele a “coisa em si” (o objeto) transforma-se em “a coisa em mim” (sujeita a subjetividade).
Isto significa que diante do objeto, a consciência desenvolve o trabalho na produção da verdade de acordo com o espaço em que esse objeto está ocupando, o tempo que ele está situado e em que categoria se encaixa, trata-se então de categorizar e organizar os objetos em torno de conceitos.
Não é difícil entender que isto cria uma estrutura lógica que vai num primeiro instante criar uma lógica positivista e mais tarde um empirismo lógico, ou um neologicismo, em ambas correntes qualquer aspecto metafísico é negado, assim a lógica não é mais função de uma construção argumentativa, mas de um cálculo de proposições que segue uma estrutura lógica, em última instância é também o que justifica o poder e suas maquinações.
Retornamos as narrativas sofistas, a ideia de que é o poder que diz o que é verdade, então trata-se de conquistá-lo muitas vezes numa lógica na qual os fins justificam os meios, assim justifica-se a corrupção, a ausência de virtudes morais e até mesmo a morte.
A verdade ontológica parecia ter sucumbido, mas foi a hermenêutica e a fenomenologia as raízes que recuperam a ontologia moderna, Franz Brentano vai usar uma subcategoria do conceito ontológico de consciência, ao elevar a intencionalidade a uma categoria superior e torná-la “fenômeno mental”.
Husserl aluno de Brentano, vai recriar a intencionalidade e retirá-la do aspecto psicológico ainda com resquício empirista, e vai dizer que só tem sentido chamar de consciência, a “consciência de algo”, isto significa que não existe consciência da coisa-em-si, mas a intencionalidade na consciência de algo.
A intencionalidade distingue a propriedade do fenómeno mental: ser necessariamente dirigido para um objeto, seja real ou imaginário. É neste sentido, e na fenomenologia de Husserl, que este termo é usado na filosofia contemporânea, também por Heidegger, mas que vai recuperar e transformar a ideia do Ser.
Entretanto é necessário lembrar que Heidegger em O meu caminho na fenomenologia, deveu-se a leitura em 1907 da dissertação de Brentano escrita em 1862: “Da múltipla significação do ser em Aristóteles” (Brentano, 1862) e isto significou uma retomada do caminho de seu mestre Edmund Husserl.
Heidegger ao contrário de Brentano nega a caracterização fundamental do ser como substância, uma vez que, Brentano ainda estava ligado à tradição interpretativa medieval, desconsiderando a dimensão do papel na linguagem, por isto dirá com propriedade que é uma “questão nova” o seu Dasein.
O ser-verdadeiro (a verdade ontológica) como ser-descobridor [Wahrsein (Wahrheit) besagt entdeckend-sein] é o modo de aparição da aletheia, é o que Heidegger dá o nome de desvelar, pegando-o ao pé da letra (mas traduzido, o que já é uma interpretação):
“O enunciado é verdadeiro significa: ele descobre o ente em si mesmo. Ele enuncia, indica, “deixa ver” (apophansis) o ente em seu ser e estar descoberto. O ser-verdadeiro (verdade) do enunciado deve ser entendido no sentido de ser-descobridor.” (HEIDEGGER, 2009, p. 289)
HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. 4ª ed. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: São Paulo, 2009.