Arquivo para novembro 27th, 2018
Serenidade e uma sonata a Kreutzer
Serenidade foi o tema de um discurso feito por Heidegger por ocasião de 175 anos do nascimento do compositor Conradin Kreutzer, em Messkirch, em 30 de outubro de 1955, mas o mesmo Kreutzer foi digno de um romance intitulado Sonata a Kreutzer, de Leon Tolstoi, que narra o dialogo sobre o casamento em uma viagem de trem, numa posição que é quase antagónica pois há um clima de suspense entre ambos que causa intriga e pessimismo.
O pensamento de Heidegger será demarcado por dois de seus escritos: Serenidade, de 1955, e outro a partir de uma conversa sobre o pensamento que teve lugar num caminho de campo, de 1945, onde Heidegger narra um longo diálogo entre três personagens, o Pesquisador, o Erudito e o Professor, sobre a questão do pensar.
O ponto de início sobre o pensamento pode ser o Que é metafísica?, escrito em 1929, onde Heidegger afirma: “de modo nenhum é o pensamento exato o pensamento mais rigoroso”, justamente por se prender ao objetivo último do cálculo, o qual “reduz todo o numerável ao enumerado, para utilizá-lo na próxima enumeração. O cálculo não admite outra coisa que o enumerável”, isto vem de encontro ao neologicismo do Circulo de Viena, e dos algoritmos.
O que causa no pensamento esta lógica é a pretenção de tudo abarcar e submeter, o pensamento calculador “não é capaz d suspeitar que todo o calculável do cãlculo já e, antes de suas somas e produtos, num todo cuja unidade, sem dúvida, pertence ao incalculável que se subtrai a si e sua estranheza das garras do cálculo” (Heidegger, 1943, p. 248 ).
Existem, portanto, dois tipos de pensamento, sendo ambos à sua maneira, respectivamente, legítimos e necessários: o pensamento que calcula e a reflexão (das Nachdenken) que medita. […] um pensamento que medita surge tão pouco espontaneamente quanto o pensamento que calcula. O pensamento que medita exige, por vezes, um grande esforço. Requer um treino demorado. Carece de cuidados ainda mais delicados do que qualquer outro verdadeiro ofício. Contudo, tal como o lavrador, também tem que saber aguardar que a semente desponte e amadureça.” (HEIDEGGER, 1955, p. 13-14)
O que Heidegger vai explicar nesta obra é que a relação entre pensamento e vontade, em conflito e de onde parte Nietzsche para suas reflexões, não é evocado segundo a tradição, o pensamento representacional que já tem, em si, uma das formas da vontade.
Segundo Heidegger, a forma de liberação do pensamento, que possibilita a forma (ela in-forma diríamos o pensamento) na aproximação das coisas, há uma aproximação não objetificadora, não apropriadora, marcada antes de tudo por um “estar desperto para a serenidade”.
Pode parecer, mas não é a passividade, pois o agir que se oculta no âmago da serenidade é de uma ordem mais elevada do que a das usuais maquinações humanas que envia a ação, ela não implica obrigatoriamente atividade, tal como esta é correntemente compreendida.
Para o pensador esta forma elevada, que embora não o dia está associada a meditação e a contemplação, erroneamente é associada a uma debilidade do querer, a serenidade pois seria fundamental este conter-se, como caminho do pensamento meditativo, é apresentada por Heidegger como a mais elevada forma do agir humano, tão necessárias nos dias de hoje.
Serenidade é antes um conter-se ao mero impulso, a ansiedade e ao agir compulsoriamente.
HEIDEGGER, Martin. Serenidade. Tradução de Maria Madalena Andrade e Olga Santos. Lisboa: Instituto Piaget, 1955.
HEIDEGGER, Martin. Que é metafísica? In: Os Pensadores. Tradução de Ernildo Stein. São Paulo: Abril Cultural, 1973.