
Arquivo para 2020
A pressa é inimiga da precaução
Os jornais do país anunciam que o Brasil fará acordo para ter a vacina Russa, a corrida para a vacina está causando em alguns governos o abandono das medidas de precaução necessárias para se chegar a uma vacina segura e que não cause um dano ainda maior que a pandemia, os procedimentos de testes das vacinas não são exigências quaisquer, são necessárias e por isto a fase de testes é longa.
Os dados mostram que a pandemia não está controlada no Brasil, e que os dados crescem na Europa, embora na Italia, o crescimento seja pequeno, pois é nde as medidas restritivas são mais duras, lá entramos no outono e o inverno virá.
Os prazos mais otimistas eram para dezembro deste ano ou inicio do ano que vem, algumas vacinas promissoras como a de Oxford/AstraZeneca que é testada também no Brasil pela FioCruz e a Pfizer que trabalha em acordo com a alemã BioNTech, e fazem a previsão da vacina para o final do ano, três meses a mais poderão evitar vidas e indenizações.
Porém o desejo de aparecer como heróis salvadores, de dizer ao mundo que damos uma lição, e principalmente de ceder as pressões econômicas de setores pouco preocupados com as vidas que estão sendo perdidas, fazem que a pressa ceda a precaução médica e sanitária necessária em meio a pandemia, que mesmo na Rússia cresce.
Já postamos aqui que o princípio da vacina da Pfizer é a técnica de RNA mensageiro (mRNA) que dá instruções ao organismo para orientar a produção de antígenos que permitem ao sistema imunológica reagir a doença.
A farmacêutica avalia também o potencial do tofacitinibe e da aziotromicina para o tratamento precoce da Covid-19.
A vacina russa segue o mesmo princípio da chinesa em teste no Brasil em parceria com o Instituto Butantã, a de uma carga viral reduzida que desperta o sistema imunológico que produz anticorpos necessários ao combate do vírus, porém esta técnica é questionável já que o vírus sofre mutações e a carga viral pode não ser inofensiva.
É preciso precaução, mas governo e autoridades sanitárias parecem ter entrado no caminho perigoso da pressa.
Assim os últimos serão os primeiros
Não importa que você demonstre que faz bem as coisas, que mantenha as aparências, que esteja sempre num lugar de destaque, mesmo na política e nos cultos e festas religiosas, a verdadeira consciência é que liga-se a intenção, e a intencionalidade é a consciência dirigida a “algo”, diz a fenomenologia.
Assim é que a nova normalidade, não a da pós-pandemia, mas a da pós crise civilizatória e tudo indica que ela está a caminho, poderá inverter a lógica da perversidade dos poderosos, dos opressores e dos fariseus, somente a verdadeira solidariedade contará, somente ela poderá dar sustento ao novo rumo, que poderá advir não de uma nova normalidade, porque ela já era distante antes da pandemia, basta ler a literatura séria, que não é a dos midiáticos.
Os frágeis e os indefesos ficaram ainda mais frágeis na pandemia, mas a lógica do poder se inverterá por uma fenomenologia aórgica, aquela que vem do inorgânico sobre o orgânico, vem da natureza para o humano, e do cosmos para o planeta, assim como afirma Morin em sua “introdução a complexidade” o todo está na parte, o cosmos e a natureza em cada indivíduo, como a parte está no todo, somos responsáveis por tudo que acontece na Natureza.
Está na cosmologia e não na visão sistêmica, está no holismo aórgico e não no holismo cartesiano, está na mística e não no farisaísmo ou na ideologia atrelada a religião, que é outro tipo de religião sem ascese, a mudança vem de uma longa noite da humanidade, mas poderá concentrar numa noite visível.
O poeta Hörderling afirmava “onde há medo há salvação”, e o momento de apreensão da humanidade a espera de uma vacina deve pensar numa vacina que tire a venda dos olhos da cegueira do pensamento, Edgar Morin preconizou esta noite, e Peter Sloterdijk afirmou que não é um tempo propício ao exercício do pensamento, estamos petrificados em lógica sistêmica e doutrinais que não nos permite perceber um novo ao largo do horizonte.
É por isto que os últimos serão os primeiros, as pessoas simples tem a intuição desta possível mudança, os verdadeiros sábios a desejam, não como o querem os poderosos, mas como sonham os flagelados da pandemia social, do doutrinismo irracional e fechado em suas bolhas.
Os que blasfemam contra as religiões afirmam como dizia o profeta Ezequiel no antigo testamento (Ez. 18,25): “Vós andais dizendo: a conduta do Senhor não é correta. Ouvi, vós da casa de Israel. É a minha conduta que não é correta, ou antes é a vossa conduta que não é correta?“, os humildes entendem.
É assim que os últimos serão os primeiros, e que serão os operários da última hora, como diz a parábola bíblica aqueles que chamados ao fim do dia foram ao trabalho e receberam o mesmo pagamento dos que chegaram no início do dia, e não haviam ido apenas porque não haviam sido chamados (Mt 21,28-32).
Se aquela noite vier
A Europa vive sobre o medo de uma nova onda da pandemia, e mesmo assim ainda a solidariedade aos que falecem é pequena, até há expressão de sentimentos ou alguma comoção, mas o sentimento humanitário fraterno é localizado às pessoas que sempre caminham em ações humanistas em momentos de crise.
O aconteceria se houvesse alguma catástrofe natural ou algo que chamasse a humanidade à consciência de um modo ainda mais grave, claro que não é desejável e não se deve espalhar este pânico, porém por hipótese se uma noite mais profunda se abatesse sobre a humanidade talvez uma nova tomada de consciência da grave situação da civilização fosse pensada e alcançada em larga escala.
Também é visível que são os últimos na valorização social aqueles que mais são solidários, já vivendo em situação grave a pandemia os torna mais solidários, ali a fraternidade é uma necessidade para a própria sobrevivência humana.
A noite e a cegueira não é anunciada agora pela pandemia, aqui neste blog em várias postagens chamamos a atenção para a noite cultural, social e até mesmo religiosa da humanidade, o caminho do processo civilizatório parece estar em colapso, isto quem observa a história ao longo dos últimos séculos é claramente visível, duas guerras, processo de isolamento social de culturas, raças e credos, preconceito a migrantes e principalmente aumento da desigualdade.
Se a noite vier, ao contrário daqueles que imaginam que as vidas humildes sejam “vidas desperdiçadas”, será ao contrário as vidas arrogantes e opulentes aquelas menos preparadas para uma “noite civilizatória” já em curso.
Não foi a pandemia que fez isto emergir, ela apenas tornou evidente e palpável o que já está em processo a algum tempo, porém o que se deve indagar é se houvesse uma noite alargada, visível que nos coloque em xeque.
Não se trata de uma visão apocalíptica ou mesmo profética, sem deixar de ter respeito por elas, um olhar profundo sobre os processos desumanos, violentos e antissociais que se vive, a decadência e o agravamento da crise está aí.
Se a noite vier, poucos estarão preparados, somente aqueles que já estão em ambientes e processos solidários, aqueles que durante o período de calmaria trabalharam e vivenciaram o lado fraterno, humano e solidário da vida cotidiana.
O inesperado e a ação
Entre muitos pensamentos que me causaram impacto no quase centenário Edgar Morin, a sua relação com o inesperado é a mais interessante e sábia, disse esta relação “torna-nos prudentes”, e disse isto referindo-se a ciência.
O vírus nos pegou de surpresa, mas a arrogância de muitos senhores midiáticos não deixou de analisar a pré pandemia, a própria pandemia e o pós-pandemia, não há mistérios na vida para eles, porém o que vemos ainda é muito mistério.
Diz Morin, “por mais que se saiba que tudo o que se passou e importante na história mundial ou em nossa vida era totalmente inesperado, continua agir-se como se nada de inesperado tivesse doravante a acontecer”, e é muito provável que mais coisas inesperadas aconteçam se conhecemos algumas leis da teoria da complexidade ou do caos.
É verdade indica o pensador, “a complexidade necessita de alguma estratégia”, gostaríamos de ter “segmentos programados para sequencias onde não intervém o aleatório”, mas esta é uma situação que pilotagem automática não é recomendada, diz o pensador: “o pensamento simples resolve os problemas simples sem pensamento”, não é o caso.
Já o pensamento complexo é “dar a cada um, um memorando, uma marca, que lembre: não esqueça que o novo pode surgir e, de qualquer modo vai surgir”, encontrei o que queria porque minha intuição diz isto, algo novo vai acontecer.
É neste ponto de partida que Morin aponta para “uma ação mais rica, menos mutiladora”, o que seria, diz “quanto menos um pensamento for mutilador, menos mutilará os humanos”, mas muitos não pensam, ignoram o futuro.
Anormal e simplificador seria se depois de um ano absolutamente anormal na história da humanidade, tudo voltasse ao cotidiano ou a “trivialidade” que alguns pensamentos mutiladores insistem em dizer, e o próprio termo “nova normalidade” é também mutilador, pois a questão é se haverá normalidade depois deste ano.
A ação possível e que deve ser pensada por cada um em particular, mas por todos como sociedade é como minimizar as perdas, como reorganizar a vida, como superar as dores ou ao menos suportá-la, e ajudar aqueles que não as suportam.
Será preciso de uma anormal fraternidade, aquela que ainda poucos viveram, e os que as pregam as vivam de verdade.
MORIN, Edgar. Preparar-se para o inesperado. In: MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Tradução de Dulce Matos. Lisboa: Instituto Piaget, 2008. p.120-122.
Pressupostos da intenção
O filósofo e psicólogo Franz Brentano (1838-1917), professor de

Toda consciência é consciência de algo. Intencionalidade. Objeto é sempre objeto para a consciência. Captar a vivência dos objetos como se apresentam á consciência do homem.
Husserl e Freud em Viena, a partir de uma subcategoria da consciência, a intencionalidade, desenvolveu-a em relação aos atos psicológicos.
Na sua compreensão o fenômeno mental contém uma característica exclusivamente sua que é a de dar aos objetos uma Intentio, ou seja algo do objeto de si mesmo, e exemplificava, o ódio é sempre algo que é odiado, assim como o amor, é algo que é amado, em termos científicos significa, a consciência é iluminada como tendo sentido na relação ao objeto.
Porém será Husserl que vai explicitar esta relação da intencionalidade como sendo algo inerente ao ato de conhecer, situando-a como tendo a característica destes atos de sempre se referirem a algo, implicando um objeto de conhecimento, e assim pode-se redefinir a objetividade idealista:
“Pertence à essência das vivências de conhecimento (Erkentniserlebnisse) ter uma intentio, significar alguma coisa, referir-se a uma objetividade”. (Husserl, 1950, p.55)
Ao conceber a fenomenologia como algo novo na relação com o objeto, reconhece também a existência do Outro ego que existe independente de minha consciência, assim o mundo físico “objetivo” (já dissemos fora da dicotomia sujeito/objeto) está aí, antes de mim e de minha consciência e independente dela, e assim também estará em outro sujeito, o que parece sugerir uma intersubjetividade, porém esta existência diferente da minha também tem como objeto o “algo” que conhece.
Mas só sei do outro, só conheço o outro, a outra consciência, se a reconheço a partir de minha consciência intencional, o Outro aparece através da mediação, como presença imediata, assim como o objeto, é também a consciência intencional que me dá consciência do Outro.
Assim a experiência de um sujeito não deve ser remetida, enquanto condição constituinte, senão de um mundo vivido em comum, compartilhado com outros, porém não era para Husserl a intersubjetividade, o que aparece em seus escritos é a relação com outro, como tendo outro ego, outra intencionalidade.
A experiência vivida, o Lebenswelt que aparece como um dos fundamentos do pensamento de Husserl, é que sugere uma nova solução para a questão, através do que ficou chamada de fenomenologia genética (e não estática) dirigida ao tema da constituição desta experiência vivida, no mundo da vida, fortalecida com a publicação de alguns textos inéditos de Husserl.
Assim a subjetividade passa à esfera da intersubjetividade, através de uma experiência co-constituinte, que pertence a todos e a ninguém em particular, foi o que abriu caminha a vários trabalhos posteriores da fenomenologia, chegando ao círculo hermenêutico de Heidegger e aos “novos horizontes” de Gadamer.
O importante é entender que a experiência e a interpretação do outro do mundo vivido, não o isola em um mundo particular, a consciência como afirmou Merleau-Ponty não nem “externa” nem “estrangeira” ao Outro, assim há um mundo vivido comum a todos e nele é possível um diálogo hermenêutico.
Acordo para agilizar a vacina
O acordo de vários países para agilizar a vacina (Covax), entre eles o Brasil que assinou na última hora na sexta feira, prevê um mínimo de vacinação de 10% da população (a opção do Brasil) até um máximo de 50% da população, que uma vez assinado não poderia desistir dos valores comprometidos, assim o Brasil assinou no mínimo, mas isto dá 42 milhões de doses, não é pouco e o risco é evidente pelo não cumprimento de todo o protocolo de testagem.
O governo não desistiu do acordo já assinado com a AstraZeneca com a chamada vacina de “Oxford” que tem a participação do prestigioso instituto da FioCruz, enquanto o governo do Estado de São Paulo promete acelerar o processo da vacina que é desenvolvida na China com participação do Instituto Butantã.
O acordo brasileiro entretanto prevê que se a vacina de Oxford chegar primeiro ao mercado ele pode optar por manter o acordo bilateral de comprar de vacinas, abrindo mão do fornecimento pela aliança, mas é provável que na pressa a vacina da aliança Covax chegue primeiro, então teremos que aceitar a vacinação, o que é temeroso.
O diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse em 13 de agosto que “COVAX já conta em sua carteira com nove vacinas candidatas, que se encontram na fase 2 ou 3 dos ensaios”, mas curiosamente as vacinas Janssen Pharmaceutics e BioNtech/Pfizer não estão na lista.
Para funcionar a aliança precisa de U$ 38 bilhões, mas conta com menos de U$ 3 bilhões, então pode ser que isto recaia sobre o ombro de países que entram na aliança apenas para cumprir acordos internacionais, isto também no aspecto social e econômico, o acordo é preocupante.
A priori o acordo é para que os países mais pobres tenham o mesmo acesso que países ricos às vacinas que tenham maior possibilidade de êxito, menos de 10 encontram-se na fase de testes, e o volume financeiro pode tornar o jogo de interesse mais sério, assim como deixar que o uso em países mais pobres não tenha a preocupação dos países ricos, seriam estes uma espécie de cobaia, a OMS alega o contrário diz que “é para garantir o acesso dos países pobres”.
O Brasil receberá 42 milhões de vacina, se houver algum problema quem se responsabilizará por isto, é claro que dirão que é o próprio país por ao assinar o acordo torna-se “consciente” dos “riscos”, embora eles não sejam mencionados.
Mesmo muito camuflado é um jogo de interesses que parece muito claro, é provável que os países menos ricos recebam primeiro doses da vacina, e se verificadas seguras é que serão usadas em países ricos, não é uma tese fácil de ser provada, porém a pressão nos países menos ricos foi enorme e o Brasil assinou na última hora sem dizer o real motivo.
Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Venezuela estão entre os países que assinaram o acordo, e o acordo Covax é apenas uma parte do “Acelerador de Acesso a ferramentas Covid-19”, ou simplesmente Acelerador ACT, que é o mecanismo de resposta que a OMS criou para a pandemia, apesar do termo “acelerador” ser evitado em entrevistas.
Espero estar errado, mas o jogo econômico continua a prevalecer sobre a saúde da população, em especial, dos pobres.
Justiça e desemprego na pandemia
O número de processos trabalhistas, e de injustiças que nem chegam aos tribunais deve crescer durante a pandemia, segundo dados de especialistas (alguns jornais citam as empresas Datalawyer e FintedLab), indicam que estes dados devem crescer, entre as reclamações estão o pagamento de verbas rescisórias, por exemplo o saldo do salário e a multa de 40% sobre o FGTS, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço no Brasil), e as condições de trabalho na pandemia.
Já salientamos em posts anteriores a importância de buscar modelos de empregabilidade que combatam a mudança de cenário acentuada no desemprego durante a epidemia, este que já era alto no Brasil, agora segundo o Ministério da Economia, de março a abril, cerca de 8 milhões de pessoas perderam o emprego ou tiveram corte salarial, sendo que 1.1 milhão de empregos com carteira tiveram seus contratos rescindidos, e os informais tem dados ainda mais volumosos.
É justo socorrer e pagar salário justos a estas pessoas, é claro que sim, a lógica de reduzir os salários e de abolir empregos não se justifica pois a pandemia não diminui a demanda em setores essenciais, além de criar demandas novas como serviços online, serviços home office, auxílio em áreas como a saúde, a educação e a segurança est]ao ai.
O quadro torna-se ainda mais grave com o aumento de preços, isto significa que alguns setores estão se beneficiando com a crise, além da espantosa corrupção na área da saúde, com hospitais que não foram usados, desvios de verbas e até de remédios e equipamentos é simplesmente criminosa, onera os estados e municípios, e desfavorece política públicas de auxílio e socorros emergenciais.
Há uma passagem bíblica onde é contada a parábola do vinhateiro que precisando de operários para sua vinha, ele sai as 9 da manhã para buscar mais operários e depois as 3 da tarde para buscar mais operários, combina com todos uma moeda de prata, parece injusto, mas quem paga e combina o salário é ele, e na verdade corrige a injustiça do desemprego.
Diz aos operários que contrata as 3 da tarde (Mt 20, 6-7): “ ´Por que estais aí o dia inteiro desocupados eles responderam: ´Porque ninguém nos contratou´. O patrão lhes disse: ´Ide vós também para a minha vinha’ “.
E todos receberam o mesmo salário, nada mais justo, esta deveria ser a lógica do combate ao desemprego na pandemia.
A lei do mais fraco
Toda a lógica, inclusive parte da lógica científica, está em defesa da lei do mais forte, a pandemia mostra que também os mais fracos devem ser pensados, pessoas que tenham comorbidades, idosos, diabéticos, obesos enfim os que estão fragilizados por alguma doença ou condição de vida (a idade por exemplo, e também a vida nas periferias).
Foi nome de um filme de Hector Babenco, Pixote: a lei do mais fraco, que é baseado numa história real, e que foi protagonizado pelo ator Fernando Ramos da Silva, o verdadeiro Pixote da vida real, que o diretor do filme conheceu, veio a falecer pouco tempo depois do filme, morto por policiais em Diadema, na grande São Paulo.
O filme conta a história de um garoto que sem ter conhecido os pais, vai morar na rua, e após um roubo de uma carteira de um desembargador vai para uma instituição de recuperação de menores, a FEBEM, que deveria ser uma casa de reeducação, mas na verdade é onde sofrem abusos, violências, humilhações podendo até mesmo perder a vida.
Pensar nos mais fracos significa olhar para uma sociedade e desejar maior equilíbrio, além da distribuição de renda, o tratamento de dignidade a todos, o respeito e a proteção daqueles que por alguma razão tornam-se frágeis num contexto social de concorrência, consumo e desumanidade, onde fatalmente sofrerão ainda mais se não há proteção.
A situação da pandemia, além de expor a fragilidade médica de muitas pessoas, agrava a situação de distribuição de renda, que coloca milhões de pessoas em situação de desespero e angústia, somente uma grande virada de amor e de fraternidade poderá evitar um caos social e até mesmo uma crise civilizatória já em processo.
Claro cada um pode fazer sua pequena parte, porém as políticas desenvolvidas por governos nos diversos níveis da administração pública deve ser pensada pensando naqueles que trabalham na informalidade, além da taxa de desemprego que já era alta antes da pandemia, os que precisam de socorro imediato e a saída da crise.
Se pensar apenas nos motores centrais da economia o resultado demora a chegar ao emprego formal, então outras soluções emergenciais podem ser pensadas, tais como: frentes de trabalho, micro empreendimentos e auxílio aos pequenos negócios que podem a curto prazo empregar muita gente.
É hora de solidariedade, infelizmente não é o que se vê em parte alguma, nem mesmo nos que se dizem realmente preocupados e que procuram mais a denúncia do que a iniciativa e o apoio a boas iniciativas, é hora de solidariedade.
A pobreza e a ajuda externa
Não é apenas pelos fatores de desigualdades, o fluxo de riqueza que corre sempre numa única direção, depende do desequilíbrio de áreas como educação, infraestruturas não apenas sanitárias, mas também de transportes e fontes de riqueza regional e nacional, e para isto a ajuda externa é imprescindível.
A relação entre ajuda externa e combate a pobreza global é positiva e eficaz, dizem os relatórios de muitos fóruns.
Talvez alguns dos exemplos mais fortes da eficácia da ajuda externa sejam os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio desenvolvido pela ONU, porém as metas não foram alcançadas, corrupção interna e ajuda externa ineficiente.
Essas metas, propostas pelas Nações Unidas e ratificadas por todos os países do mundo, visavam: reduzir a pobreza, a fome e a mortalidade infantil, mas os planos de desenvolvimento local e regional foram timidamente atacados.
O chamado Borgen Project foi na verdade direcionado a ações de capitalistas locais e interesses externos,
Os objetivos propostos e ratificados por todos eram:
– reduzir a pobreza, a fome e a mortalidade infantil;
– alcançar educação primária universal, igualdade de gênero e sustentabilidade ambiental;
– melhorar a saúde geral, lutando contra doenças tratáveis; e
– atuar como uma parceria global para o desenvolvimento.
Parecem louváveis e dificilmente alguém deixaria de apoiar a estes planos, mas a aplicação local foi para reduzir a natalidade, sustentabilidade ambiente sem desenvolvimento, e as doenças tratáveis não são de fato atacadas, ainda doenças infantis subsistem, a malária é comum em muitas regiões da África e há o risco agora da pandemia.
Restou o problema fundamental da parceria global para o desenvolvimento, onde deve-se olhar os interesses, a cultura e aquilo que é socialmente valorizado localmente, e infelizmente a mentalidade colonialista ainda impera, a chamada decolonização vem no enfrentamento desta questão.
Um processo que contemple este novo processo deve ser pensado, observando autores e as culturas locais.
Auxilio efetivo a pobreza
Se por um lado é necessário o auxílio emergencial, principalmente porque a pandemia impede o exercício de trabalho informal e muitas famílias economizaram com empregados domésticos, é necessário um plano de recuperação a médio e longo prazo para evitar uma degradação e uma distribuição de renda ainda pior do que a que já existe.
O economista Muhammad Yunus é conhecido no mundo inteiro como “o banqueiro dos pobres”, mas na verdade não é um banqueiro no sentido convencional, pois ele auxilia pessoas que nunca tiveram acesso a nenhum sistema bancário, o que fomenta é um empreendedorismo, principalmente entre mulheres, e seus resultados são surpreendentes.
É verdade, entretanto que fundou um banco, o Grameen Bank em 1983 em Bangladesh, porém hoje o que mais faz são palestras, é um dos oradores mais solicitados do planeta, e recebeu entre outros prêmios, o Nobel da Paz em 2006.
Em suas palestras censura e critica banqueiros que visam apenas o lucro fácil, os juros escorchantes e pouco ou nada olham para a realidade social em que vivem, uma de suas frases muito conhecidas diz: “Lidar com teorias econômicas diante de pessoas morrendo [de fome], para mim era uma piada”, isto é ainda mais verdade numa pandemia.
O produtivismo utilitarista, a produção é necessária principalmente em bens essenciais, é aquele que visa apenas os setores mais atrativos onde o lucro é alto e o impacto social nem sempre tão alto, no que se refere aos pobres, e no caso da educação e da saúde, é necessário até mesmo que não seja considerado o lucro, pois se trata de investimento.
A ideia que invadiu diversos setores, e infelizmente também na educação e na saúde pública, que é necessário que estes setores sejam produtivos não é senão uma reprodução de um capitalismo selvagem incapaz de gerir a crise atual, e só está em alta por causa da desinformação da população, em tempos sombrios teorias autoritárias ganham voz.
O que Yunus diz sobre empregos é muito interessante: “Uma questão essencial está na ideia de emprego. Quem disse que nascemos para procurar emprego? A escola? Os professores? Os livros? Sua religião? Seus pais? Alguém colocou isso na cabeça das pessoas. O sistema educacional repete: ‘você tem que trabalhar duro’. Seres humanos não nasceram pra isso. O ser humano é cheio de poder criativo, mas o sistema o reduz a mero trabalhador, capaz de fazer trabalhos repetitivos. Isso é vergonhoso, está errado”, aqui precisamos vencer também o economicismo assistencialista.
O mundo digital no qual qualquer pessoa pode ter um sistema online e trabalhar nele, onde empregos “informais” podem tornar pessoas de qualquer localização, inclusive da periferia empreendedores, vão de encontro a proposta de Yunus, tornar os “serviços” mais próximos da população de periferia é possível graças a onipresença do digital.
Empreendedores existem em todas camadas sociais, arrisco até a dizer que eles se concentram na periferia, o problema é quem se arrisca a colocar capital ali, quem poderia financiar estes “microempreendedores” de periferia, aí há solução, o número de empregos pode crescer rapidamente e haver circulação de bens e renda em ambientes frágeis.