Cogito ferido e política
Paul Ricoeur é um dos poucos filósofos franceses atuais (faleceu em 2005) que não só lê e traduz do alemão e do inglês, mas também dialoga com correntes internacionais de pensamento tão diversas como a fenomenologia alemã (foi o tradutor de Idéias I de Husserl em 1950), a hermenêutica de Gadamer ou a filosofia analítica inglesa e norte-americana.
Seu livro mais emblemático, Soi-même comme un autre (a tradução nacional O si mesmo como um outro é ruim), trouxe inscrita o seu belo título tanto sobre a questão da identidade (Soi-même) como sua invenção da identidade através da alteridade: comme un autre, insistindo tanto na dimensão metafórica como também ética dessa invenção, as metáforas estão no seu livro: A metáfora viva.
Opondo-se a “exaltação do Cogito” lança um Cogito “quebrado” (brisé) ou “ferido” (blessé) como o escreveu já no prefácio a Si mesmo como um outro.
Esta quebra tanto é a apreensão de uma unidade muito maior, mesmo que nunca totalizável pelo sujeito: a unidade que se estabelece, em cada ação, em cada obra, como a reintrodução do sujeito e o mundo, superando a separação sujeitos e objetos.
Na política o cogito ferido, é a impossibilidade (se não somos capazes de vermos como Outro (comme un autre), o resultado é um diálogo as vezes de confronto outras vezes de mudez, sob uma desconfiança ainda maior.
Ricoeur desconfia da mesma tendência a uma hybris totalizante e desconfiava do solipsismo cartesiano, que ele via uma aplicação acrítica, isto é, além de seus limites, dos recentes paradigmas anticartesianos, dos quais o hibridismo é a pior vertente.
Diálogo político não é hibridismo, não é composição de discursos e trocas de favores, em certo sentido, é discussão e embate, em outro descoberta de valores e pensamentos comuns.