Hermenêutica e o fim do idealismo
Foi Husserl que fez as ciências humanas saírem do sono neokantiano, assim descrito por Gadamer ao falar do que chamou de “hermenêutica da facticidade”: “suas análises do ‘mundo da vida’ (Lebenswelt) e da constituição anônima de todo sentido e toda significação que formam o solo e a textura da experiência mostraram definitivamente que o conceito de objetividade representado pelas ciências constituiu apenas um caso particular” (Gadamer, p. 39).
No entanto Husserl estava preso ainda a uma metafísica subjetiva do fenômeno, como aquela que Hegel definiria como Fenomenologia do Espírito, e então a antiga oposição entre natureza e espírito é revista, fato quase despercebido e ressaltado por Gadamer: “as ciências humanas e ciências da natureza devem ser compreendidas a partir da intencionalidade da vida universal” (idem).
Foi assim que com a retomada da questão do ser, que as descobertas de Husserl ao serem aprofundadas por Heidegger deram um sentido a fenomenologia mais radical: ao perceber: que não é necessário separar, no plano do conhecimento, o ser da natureza do ser histórico “como fazia Dilthey … ao contrário, o modo de conhecimento próprio às ciências da natureza é uma espécie de derivada da compreensão, como diz Heidegger em Sein und Zeit, ´se aplica à tarefa legítima de apreensão das coisas [o Vorbandene, o ente ´subsistente´] em sua essencial incompreensibilidade” (Gadamer, pgs. 39-40).
O conhecimento em Heidegger assume um estatuto ontológico, dito de maneira aparentemente complicada, mas não o é, ao contrário [do conhecimento ideal]: “o compreender é a forma originária de realizar do ser-aí humano enquanto ser-no-mundo.” (pag. 40).
Aqui a diferenciação do interesse prático e do interesse teórico, o compreender é o modo de ser do ser-aí que o constitui como “saber-ser” (savoir-être) e ´possibilidade´”(idem).
O próprio Gadamer explica que para a hermenêutica tradicional, as teses heideggerianas parecem provocação, pois explica, o verbo Versteben (compreender em alemão) tem dois significados: compreender o significado de alguma coisa, e ser entendido em alguma coisa.
Enquanto compreender (versteben) pode significar que entendemos algo como ir a lua ou o funcionamento de um equipamento, já o saber-fazer, tem o sentido de capacidade, e isto significa desempenhar uma tarefa prática, só havendo diferenciação de teoria e prático no plano da capacitação e não no plano teórico.
No dizer textual de Gadamer: “ele [Heidegger] parece distinguir-se essencialmente da compreensão que se obtém num conhecimento científico” (pag. 41).
Embora estejamos no meio do texto, pode-se dizer que é uma conclusão: “se reduzem, finalmente, ao nó comum de um ´eu sei como me ocupar´ isto é, uma compreensão de si em relação a alguma coisa” (pag. 41), em itálico no original.