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O dasein e a razão

17 out

Antes de penetrar no conceito de ser-no-mundo, tradução provisória de dasein, é preciso compreender em que ponto a ontologia se distancia do racionalismo cartesiano, em que ponto se aproxima, para quem deseja um mergulho mais profundo “Meditações Cartesianas” é muito recomendável (post), já quem Husserl foi professor de Heidegger e este guardou alguns conceitos.

As duas categorias cartesianas bem conhecidas para “coisa” são a res extensa e a res cogitans, sobre as quais escreveu Heidegger: “Sem dúvida esse ente [com relação a Deus] necessita de produção e conservação, mas dentro dos entes criados [ou só considerando estes] … existe algo que não necessita de outro ente, no tocante a produção e conservação das criaturas, por exemplo do homem. Tais substâncias são duas: o res cogitans e o res extensa” (Heidegger, 2015, p. 144).

Assim o dualismo cartesiano não é só entre duas substâncias finitas, que são naturalmente distintas, mas entre as duas finitas e o infinito, e Heidegger esclarece logo a seguir retomando a ontologia medieval, as vezes chamada de fundamental ou ontoteologia por outros autores, a questão de como o ser é designado como “ente cada vez referido” (Heidegger, 2015,p. 145), ou seja, “nas afirmações Deus é ou o mundo é, predicamos o ser … a palavra ´é´ não pode indicar o ente cada vez referido no mesmo sentido (αυυωυúς, unívoce), já que entre ambos existe uma diferença infinita do ser, se a significação do ´é´ fosse unívoca, então o criado teria o mesmo sentido do não criado ou o não criado seria rebaixado a um criado” (idem).

Resolve a querela do universal, entre realistas e nominalistas, “Ser não desempenha a função de um simples nome [pensavam os nominalistas] pois em ambos casos compreende-se ´ser´ “ (ibidem), explicita e supera a escolástica que “apreende o sentido positivo de significação do ´ser´ como significação ”analógica” para distingui-la da significação unívoca ou meramente sinônima” (ibidem).

As aspas são do próprio Heidegger para indicar a analogia do ser enquanto substância, e estendendo para o contemporaneidade nem o analógico nem digital são ser, pertencem só ao ôntico, ou em nossa denominação aos artefactos. 

Finalmente rebaixa a ontologia cartesiana que “fica muito aquém da escolástica” que deixou sem discussão o sentido do ser e o caráter da ´universalidade´ desse significado contido na ideia da substancialidade” (ibidem), embora reconheça que mesmo a ontologia medieval questionou muito pouco este sentido.

Embora vá recuperar em alguns aspectos Descartes, constata para o seu tempo e vale ainda hoje, sequer nos libertamos da crise do pensamento europeu do século passado, “a ontologia cartesiana do mundo ainda é hoje vigente em seus princípios fundamentais”, a materialidade.

Heidegger, M. Ser e tempo, 10a. edição, Trad. Revisada de Marcia Sá Cavalcante, Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2015.

 

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