A aporia e o deserto
O que acontece em momentos de profunda crise é retornar ao porto seguro, infelizmente o porto seguro para as massas é aquilo que elas conhecem: um estado moderno forte e quando não o fundamentalismo religioso que parece devolver as raízes de cada povo.
Não são poucos os exemplos no mundo, até mesmo aqueles que se recusam, a rediscutir o estado, percebem que alguma coisa vai muito mal: cansaço da democracia ou até ódio à democracia, não é tão simples, não se cansa nem se odeia o que é bom, há algo errado.
A aporia é neste momento, mais que o vazio, porque este significa ouvir alguma coisa que vem a mente (o cogito cartesiano que não vai além do ego), o alter que é ouvir aquilo que não é o Mesmo, a aporia é o reconhecimento de uma falácia, mesmo que seja enquanto etapa histórica.
O diagnóstico de Sloterdijk é duro, devemos abandonar as profundezas de nossas interpretações antropológicas: todas as interpretações do homem enquanto “trabalhador” ou “comunicador” agora devem se traduzir na linguagem do exercício o que conhecemos até então como manifestações do homo faber ou homo religiosus, uma vida de “exercícios”.
Claro que é questionável, mais seu diagnóstico acertou até agora, os dualismos: sagrado vs. profano, pculturas aristocratas nobre vs. comum, culturas cognitivas conhecimento vs. ignorância, culturas militares vs culturas liberais, e vai por aí agora, é como se para diversos sistemas houvessem apenas a lógica dual binária, . Niklas Luhmann seguiu na mesma direção e chega a dizer que se constitui sua identidade, possibilita sua comunicação interna e regulamenta e restringe, ao mesmo tempo, sua comunicação com seu ambiente (Luhmann).
O que estaria além disto? A compreensão de cultura como regra e não como ancestralidade, é na verdade uma nova compreensão do humanismo ou mesmo o seu fim querem alguns.
Sob cultura entendem, desde Wittgenstein até Sloterdijk, são o conjunto de todas as formas comportamentais possíveis dentro de uma determinada sociedade, ou seja, todas as formas de vida que passam pelo crivo da regra; regra esta colocada num nível tão alto de exigência, que somente uma vida de exercícios pode alcança-la.
Assim poucos seriam capazes de cumpri-la. Wittgenstein, Nietzsche, Heidegger e até Foucault seriam todos representantes de uma filosofia enquanto disciplina, assim a filosofia, é mais que uma matéria escolar: ela é engajada e caracterizada por uma “tensão vertical”.
Se a politica conservadora brasileira requer uma escola sem partido, ela não pensa outra coisa que não seja o retorno a uma vida de exercícios: morais, religiosos e culturais, porque pouco ou nada sabe da origem de lemas como: “ordem e progresso”, lembra do positivismo de Augusto Comte do qual foi retirado a palavra “amor”, dispensável para ditadores.
A aporia necessária é o reconhecimento de uma noite cultural, filosófica e até mesmo religiosa que o ocidente enfrenta, mas também o budismo e o hinduísmo outrora pacifistas já dão sinais de “intolerância” em casos atuais em regiões da India e do Myanmar.
Somente uma “aporia moderna” será capaz de abrir um novo horizonte, esquemas antigos estão falidos, sou mais otimista que Sloterdijk e outros, o humanismo não morreu, há um humanismo de novo tipo que deve nascer: de todo homem e de toda cultura, sem exclusões.
Como está escrito em Lucas 3,4: “palavras do profeta Isaías: Esta é a voz daquele que grita no deserto: ‘preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas’ ”.