Pós-Deus ou reinvenção do humano
A poucos dias li na Folha de São Paulo (em nota online) que o famoso físico-místico Fritjof Capra (Tao da Física) disse que a pandemia é uma “Pandemia é resposta biológica do planeta”, e também falou em sua conferência no debate temático Fronteiras do Pensamento sobre a “Reinvenção do humano”, no qual falaram também o economista Paul Collier e o escritor francês Alain Babanckou.
Em sua palestra supõe um despertar em 2050 e visualizar o mundo e suas transformações pós-pandemia, já bem definidas, o que ele e a futurista Hazel Henderson propuserem são perspectivas imagináveis, as quais olhando para o passado verificaram as falhas e condições da humanidade, e quais mudanças seriam percebidas, penso que sim pensando num cenário distante, pensei uma reflexão bem mais válida do que pensar no ano que vem.
No pensamento do físico-místico austríaco ele considera que uma consciência expandida ajudaria a superar as limitações cognitivas (e culturais acrescento), os pressupostos e ideologias equivocadas que ficaram para trás nas crises do século XX, a forma míope de avaliar tudo a partir dos preços e métricas de desenvolvimento e produtivistas, como o PIB, acabaram por permitir enormes perdas sociais e ambientes e a destruição das funções dos exossistemas planetário.
Pouco se fala sobre a persistência das religiões e as respostas que também elas podem dar e o papel que jogarão numa etapa pós-pandêmica, embora não explicitada pelo físico e nem pelos economistas que falam nesta conversa temática, a reinvenção do humano, mas suas raízes aórgicas, viemos do inorgânico, da terra seja por processões químicos, pelas mãos ou sopro divino, o certo é que fomos criados, assim uma escatologia completa não falará só do pós-humano, mas do pré-humano.
De onde viemos, do pó dos planetas, agora que podemos olhar aos milhares em todo cosmos como telescópios que são como a reinvenção da luneta de Galileu que sacudiu o século XVII, agora estamos olhando para um infinito cada vez mais enigmático, como partículas de Deus e como colapso de matéria em buracos negros, o que nos espera, não é apenas um pós-Deus, mas a reinvenção de uma cosmologia capaz também de dar ao homem a sua crise, cuja pandemia é só um sintoma.
Escreveu Peter Sloterdij em seu “Pós-Deus”, que a mitologia grega: “tinha previsto a vingança do tempo contra a eternidade de longe, quando se permitiu a alusão segundo a qual até mesmo os deuses imortais precisariam aprender a conviver com um destino de ordem superior” (Sloterijk, 2019, pag. 12) e os gregos chamavam isto de Moira, mas e este destino também preveja o Matris in Gremio escatológico, descrito pelo próprio Sloterdijk em “Esferas I: bolhas” (veja nosso post).
Aproveitando a alusão a rebeldia da natureza de Fritjof Capra, e se ela não se realizou ainda completamente, o pós-pandemia pode prever uma rebeldia aórgica de fora do planeta, e se Moira queira ainda ter uma última palavra, que era três e não apenas uma Cloto, Láquesis e as Átropos, que teciam os fios do destino (figura).
Enquanto Cloto significa fiar, Láquesis significa sortear, lembre-se o significado de Fortuna para os gregos, e, Átropos, significa afastar, num sentido escatológico, ou seja um fim, mas não um final, pode ser que depois de tudo se afaste o fim último e se tenha então uma nova esperança, quem sabe uma nova “iluminação”.
Sejam quais forem estes afastamentos da realidade, todos tornam-se importante num momento trágico, afinal a tragédia não é o que parece, e o romantismo e ilusionismo da modernidade é que mostrou sua verdadeira face de horror, envolto em belas palavras, promessas de felicidade e “bem-estar”.
Os cristãos, nos quais me incluo, sabedores desta “noite de Deus”, tem esperança em uma nova manifestação aórgica, afinal ela está no princípio da vida humana e deverá estar também nesta reinvenção do humano para um planeta que seja casa de todos.
Sloterdijk, Peter. Pós-Deus. Trad. Markus A. Hediger. RJ: Vozes, 2019.