Da lucidez à serenidade
Se a clareza (ou claridade) é propriedade da lucidez, a lucidez precede a serenidade, ou seja, pode-se ter lucidez sem que se atinja a serenidade, este estado de espírito é algo muito atual, é uma busca do homem na modernidade.
A obra “Serenidade” de Heidegger, publicada em 1955, mas como meditação foi feita em 1949, por ocasião do centenário de morte de Conradin Kreutzer, compositor conterrâneo de Heidegger, ambos nascidos na cidade de Messkirch, porém em épocas diferentes.
Heidegger neste opúsculo vai diferenciar o pensamento reflexivo (ou meditativo) do pensamento calculador (ou maquínico) próprio de nosso tempo, assim vai comparar o pensamento de nosso tempo com a música, “limitamo-nos a ser entretidos por um discurso. Não é necessário pensar enquanto ouvimos a narração, isto é, meditar (besinnen) sobre algo que, na sua essência sobre algo que, na sua essência diz respeito a cada um de nós direta e continuamento” (p. 11)
Assim “A crescente ausência-de-pensamentos assenta, por isso, num processo que corrói o âmago mais profundo do homem atual: “o Homem atual ´está em fuga´ do pensamento” (p. 12)
Por outro lado, o pensamento maquínico assenta-se na técnica (veja que o texto é de 1955), onde “o pensamento que calcula não é um pensamento que medita, não é um pensamento que reflete sobre o sentido que reina em tudo que existe” (p. 13)
Heidegger sabe que um dos argumentos sobre a reflexão é que “a pura reflexão, a meditação persistente, é demasiado ´elevada´ para o entendimento comum” (p. 14), diz ao homenagear seu conterrâneo músico, que bastaria pensar no que significava naquele momento a sua terra natal, onde surgiu a música extraordinária de Kreutzer, lembro de um conto de conto de Leon Tostoi que falava desta dinâmica dos sentimentos justamente num conto chamado “Sonata a Kreutzer”.
Propõe assim aos presentes “o que nos sugere esta celebração, se estivermos dispostos a meditar? neste caso, atentamos que, do solo da terra natal medrou (gedieben) uma obra de arte. (p. 15)
Assim não é preciso um pensar elevado, mas apenas uma pequena pausa, um silêncio na alma.
HEIDEGGER, M. Serenidade. trad. Tradução de Maria Madalena Andrade e Olga Santos. Lisboa: Instituto Piaget, s/d.