Conservar/revolucionar e resistir
O que fazer se a crise civilizatória chegar aos limites humanos e continuar a se humanizar ?.
A resposta de Edgar Morin está no capítulo 4 do livro Terra-Pátria ao estabelecer “Nossas finalidades terrestres”, onde estabelece: “A tomada de consciência de nossas raízes terrestres e de nosso destino planetário é uma condição necessária para realizar a humanidade e civilizar a Terra” (Morin, 2003, p. 99), e salienta que a primeira é conservadora e negligencia “deliberadamente aqui o adjetivo “revolucionária”, que se tornou reacionário e muito manchado de barbárie” (idem) e basta ver as atrocidades do escalonamento das guerras atuais.
Conservadora porque “trata-se de preservar, de salvaguardar não apenas as diversidades culturais e naturais degradadas por inexoráveis processos de uniformização e destruição, não apenas as conquistas civilizacionais ameaçadas pelos retornos e as manifestações de barbárie” (idem p. 99) não podemos regredir nos marcos civilizatórios que já alcançamos, mais que isto, é preciso evoluir.
É um paradoxo, mas justificável: “A conservação tem necessidade da revolução que asseguraria a busca da hominização” (Morin, 2003, p. 100) onde o paradoxo “aparentemente contraditório, conservar/revolucionar: é o paradoxo progredir/resistir” (idem), onde o resistir é “estar na defensiva em todas as frentes contra os retornos e manifestações da grande barbárie, escrito antes do novo milênio, isto é muito atual em face a possibilidade de guerra.
Resistir, para o autor, é se antepor a duas barbáries crescentes: a “crueldade odiosa” que se exprime “no assassinato, na tortura, nos furores individuais e coletivos” e a “crueldade anônima vem da barbárie tecno-burocrática” de estados totalitários assumidos ou presumidos.
Assim, o autor que fala da “hiper-especialização”, “anonimização, da abstração, da mercadorização que conduzem juntas à perda não apenas do global” vê a necessidade imperiosa de resistir a esta mentalidade que conduz necessariamente a barbárie e ao processo de degradação.
Assim a busca “da hominização deve ser concebida como o desenvolvimento de nossas potencialidades psíquicas, espirituais, éticas, culturais e sociais” (p. 101) é parte deste paradoxo resistir/revolucionar, assim o desenvolvimento deve ser concebido de maneira antropológica, isto é, “romper com a concepção do progresso como certeza histórica para fazer dele uma possibilidade incerta …” (p. 102).
E acrescenta ele deve “compreender que nenhum desenvolvimento é adquirido para sempre: como todas as coisas vivas e humanas, ele sofre o ataque do princípio de degradação e precisa incessantemente ser regenerado” (p. 102) e aponta a ideia falsa de desenvolvimento, pois “: o subdesenvolvimento dos desenvolvidos aumenta precisamente com seu desenvolvimento tecno-econômico” (p. 104), a guerra e os conflitos partes justamente dos “desenvolvidos”.
Assim a noção de subdesenvolvimento: “por mais bárbara que seja, estabelece um vínculo antropológico entre os ditos desenvolvidos e os ditos subdesenvolvidos; ela incita a uma ajuda técnica e médica útil – abrir poços, desenvolver fontes de energia, lutar contra as endemias e as carências nutricionais -, embora se efetue em condições de exploração económica, de degradação natural e de urbanização miserável que ocasionam novos males” (p. 105).
Assim é preciso “suportar” as diferenças e até estabelecer vantagens sobre elas, não mais ignorar ou demonizar culturas diferentes, estabelecer ajuda e acordos para o desenvolvimento global e o processo de ampla humanização, que o autor chama de “hominização”.
MORIN, Edgar & Kern, Anne-Brigitte. Terra-Pátria. Trad. Paulo Azevedo Neves da Silva. Porto Alegre : Sulina, 2003.