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Arquivo para a ‘Método e Verdade Científica’ Categoria

Um século de Vida: Edgar Morin

08 jul

No dia de hoje (08/06/2021) o filósofo, educador, historiador e geógrafo francês Edgar Morin, nascido em Paris como Edgar Nahoum, adotou o codinome Morin depois que lutou na resistência francesa ao nazismo.

O jornal francês Liberation, publicou na quinta-feira (03/06) alguns trechos de seu novo livro que será lançado nesta semana, na França, “lições de um século de vida” (“Leçons d´un siècle de vie”, editora Denoel), com alguns trechos do livro, chamando-o de avô de todos os franceses.

No livro Morin diz que quando não estiver mais vivo, espera que as pessoas consigam se se “amar umas às outras e a si mesmas, em vez de continuar nessa regressão ocidental marcadas por neototalitarismo em gestação, e não deixa de citar a China.

No momento em que o mundo se fecha, e a questão identitária se torna relevante, pois divide os povos, Morin refletindo sobre suas próprias origens destacou em seu livro, conforme o Liberation: “Todo mundo tem a identidade de sua família, de sua aldeia ou cidade, a de sua província ou etnia, a de seu país e a maior, de seu continente. Cada um tem uma identidade complexa, ou seja, somos únicos e ao mesmo tempo plurais”, não se trata só de “tolerar” e sim de “amar” o Outro.

Alerta que “a história humana é relativamente inteligível a posteriori, mas sempre imprevisível a priori”, lembra a crise de 1929, a ascensão de Hitler e do nazismo, a desintegração da ex-União Soviética e o ataque às torres gêmeas do World Trade Center, suas reflexões sobre aquilo que chamou de “stalinia”, sobre a qual segundo o Liberation escreveu em seu livro: “Minha estadia de seis anos no universo stalinista me educou sobre os poderes da ilusão, do erro e da mentira histórica”.

Porém está longe de ser pensado como um conservador e mesmo um reformista, sempre sonhou com uma mudança estrutural na humanidade, que deve partir de uma mudança de mentalidade, do pensamento e da cultura, e reflete também sobre o populismo e o absolutismo religioso.

Aguardemos o livro, como sempre, trará novas reflexões, talvez até mesmo confissões de Morin.

No Brasil, em Brasília o Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasilia (CDS/ UnB) também lançara um livro com os 15 melhores artigos sobre Edgar Morin, já selecionados, em parceria com o SESC/SP, apoio da Cátedra Regional de Complejidad y Condición Humana de la Universidad  CLAEH (Uruguai) (a imagem usada acima) e do EHESS/CNRS do qual Morin é pesquisador emérito.

Com 100 anos ainda revela uma lucidez inigualável nesta idade, e uma vitalidade e sabedoria únicas, félicitations Morin.

 

O todo, a parte e o Ser

02 jul

Foi a partir desta teorização do todo que Werner Heisenberg deu início ao princípio quântico, quando formulou sua teoria não havia qualquer resposta de experiência científica, o que por si só já contesta o empirismo, e era uma “teoria” o que por si só contesta que a realidade é prática, mas foi a primeira tentativa, feliz porque depois a Física e a Ciência viriam em seu socorro, sobre partir do todo e não das partes como propunha o método cartesiano.

A verdade da física, porém vai se mudando ao longo do tempo, as novas descobertas sobre as novas descobertas de subpartículas (entre elas o bóson de Higgs), os 7 estados da matéria (junta-se aos três amplamente conhecido, o plasma (luz líquida), os estados de Bose-Einstein, gás fermiônico e superfluido de polarations, e pode haver um oitavo, assim já há uma para-física.

Porém já há, e sempre houve a meta-física (posterior a física), a modernidade quis reduzi-la a subjetividade (algo próprio do sujeito, mas preso apenas a sua mente), a ontologia atual, fruto da hermenêutica e da fenomenologia, recupera-se questionando o “velamento” do ser, e propõe uma clareira, a crise do humanismo não é outra coisa senão esta crise.

A pergunta filosófica sobre o tudo é “porque existe o tudo e não o nada” e isto supõe a ex-sistência, já a pergunta sobre o todo poderia ser, ela não é feita filosoficamente e sim apenas teologicamente, se existe “tudo” qual é a intenção que justifica a ex-sistência de tudo ?

A fenomenologia recupera a intencionalidade, uma subcategoria da consciência na filosofia medieval, com um sentido de estar dirigida a algo, ou de ser acerca de algo, assim ontológica.

Husserl a recuperou dirigindo-a a um objeto, categoria essencial no idealismo moderno, mas dirigindo-a algo que pode ser imaginário ou real, assim inclui-se a metafísica e o Ser.

Assim o fantástico da existência de tudo não é apenas sua existência, mas a intenção pelo Todo.

Qual é o todo e se existe é Ser, assim só Ele pode Ser além do todo universo que é locus, já que na física moderna o tempo é uma abstração, diz o físico italiano Carlo Rovelli, que está entre os mais respeitados.

Para os cristãos a entrada de Deus na physis acontece com Jesus, diz a passagem que Jesus pergunta quem dizem ser “o filho do homem” (Ele assim fala de uma de suas duas naturezas: divina e humana), e vai perguntar aos apóstolos o quem dizem que Ele é.

Os apóstolos respondem (Mt 16,14-16) {a questão do mestre: “Alguns dizem que é João Batista; outros que é Elias; outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas”. Então Jesus lhes perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Simão Pedro respondeu: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”, e Jesus diz que ele é feliz porque foi Deus que o revelou.

 

Entre o Ser, o Nada e a interioridade

01 jul

A primeira sensação ontológica, diante da racionalidade foi uma tentativa de confinar o Ser em sua subjetividade (que vem de sujeito) para tornar a relação com o Ente uma “objetividade” que existe fora do Ser (para a modernidade fora do sujeito).

Como ambas negam a a ex-sistência, aqui significa ex “sair de” e o verbo sistere “ser colocado”, assim existir é o que está colocado fora do ente, mais que a subjetividade é a própria essência do Ser, além do imaginário e do simbólico, do imaginário porque é o irrepresentável e o simbólico porque significa o não-sentido, mas aí estão toda essência e existência do Ser.

A concepção de negar a existência do ser, que tem que negar até mesmo a razão que a concebe, vem de Górgias (485-380 a.C.), sofista que Platão refutou em um livro, para ele não havia verdade e pode-se dizer que é o princípio longínquo para o relativismo.

A existência e realidade do Ser, embora velada, está na possibilidade de uma clareira, dela depende a abertura do Dasein, sua relação com a physis (a natureza no sentido geral dos gregos) e para a qual deve ser retirado o véu que cobre o ser, e assim a relação com o ente e a interioridade.

Se nos vemos apenas como vemos num espelho vemos a imagem do nosso ente, se vemos como somos significa que temos capacidade de ver além dele nossa interioridade, nossa complexidade e a partir delas como nos relacionamos com o todo do qual somos parte.

A projeção sobre a exterioridade e negação da interioridade é parte do esvaziamento do Ser na modernidade, somos o que fazemos e não importa muito o que somos de fato interiormente.

Deste esvaziamento nasceu o niilismo (nihil – nada), o solipsismo (o eu e minhas sensações) e de certa forma o subjetivismo (considerações só sobre o que é pessoal, uma interioridade vazia) e boa parte das teorizações prezas as dicotomias infernais (subjeito x objeto) e (natureza x Cultura).

Numa interpretação mais atual, na Sociedade do Cansaço, Byung Chul Han fala da interioridade, em outro livro A Sociedade da Transparência ele afirma: “hoje o mundo não é um teatro no qual são representadas e lidas ações e sentimentos, mas um mercado onde se expõem, vende e consomem intimidades” (HAN, 2017, p. 80).

HAN, Byung-Chul. Sociedade da Transparência Trad. Enio Paulo Giachini. Petrópolis, Vozes, 2017.

 

Da linguagem ao Ser

29 jun

A linguagem enquanto fala e retórica é apenas aquilo que se exterioriza, porém se pensada como ontologia é a abertura (Erschlossenheit) a partir da apropriação silenciosa do si-mesmo, como Heidegger pensou em Ser e Tempo, seja a abertura (offenheit) pensada como clareira do ser (lichtung des Seins), aquela usada por pensadores e poetas, e que se mostra na medida que sua correspondência silenciosa como ser, expressa em Carta sobre o Humanismo.

Escreve neste texto: “O destino se apropria como clareira do Ser, que é, enquanto clareira. É a clareira que outorga a proximidade do ser. Nessa proximidade, na clareira do Da lugar, mora o homem como ex-sistente, sem que ele já possa hoje experimente e assumir esse mora” (Heidegger, 1967, p. 61)

Em termos gerais linguagem é um veículo da expressão de algo interno ao homem, isto é, uma ponte que vincula o dentro e o fora do homem, tal forma de falar é pensada como uma atividade que acontece na qual o homem é o próprio meio, por isto há o silêncio antes.

Mas segundo a concepção ontológica da linguagem, não é a linguagem que pertence ao homem, mas antes o próprio homem concebido ontologicamente como ser-para-a-morte resoluto ou ser ontologicamente que responde como mortal à solicitação silenciosa do Ser.

Em termos mais simplistas trata-se aqui da diferença entre o ente que “tem” uma linguagem, no sentido de capacidade de falar, e a concepção ontológica que pensa o homem como “sendo” por meio de ser possuidor da capacidade de falar, a linguagem aqui não é apenas a transmissão de informações, mas o modo no qual manifesta o próprio existir humano.

Neste contexto comunicação começa com o silêncio, é preciso um vazio, um epoché na comunicação, que pressupõe um Outro que será destinatário, não é assim receptor, mas destino de sua fala, e este é o modo pelo qual se manifesta o próprio existir humano.

Assim para Heidegger, mas de outro modo também para Niklas Luhmann, seria preciso rever toda a teoria da Comunicação, pois receptor e transmissor são eles próprios o meio não humanos, e não “substituem” o homem, não podem existir nem ter relação como se o homem fosse algo acessório, aí está toda a alucinação da Inteligência Artificial atual, colocar receptor e transmissor no lugar de fonte e destino, seria preciso prever uma “clareira” do ente “fora” do Ser.

Por isto a clareira é interna, já postamos em outro oportunidade aquilo que Heidegger afirma em sua obra magna Ser e Tempo: “Na medida em que o ser vige a partir da alethéia, pertence a ele o emergir auto-desvelante. Nós denominamos isso a ação de auto-iluminar-se e a iluminação, a clareira” (cf. Ser e Tempo). (* aletheia do grego: a- não, lethe- esquecimento, desvelar).

HEIDEGGER, Martin. Carta sobre o humanismo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967, p. 61.

 

A variante Delta e suspeitas da vacinação

28 jun

Uma nova variação do vírus Delta originado na Índia apareceu e já se espalha, chamado de Delta Plus o vírus é mais letal e já há casos em vários países do mundo, no Brasil uma gestante é o primeiro caso noticiado, tinha 42 anos e faleceu dias após o contágio.

O crescimento de 30,6 % de infecções e 17,2% de mortes no Chile levantou suspeitas sobre a vacinação com ouso da CoronaVac, as mídias de redes sociais espalharam esta notícia, já que lá 90% da vacinação foi feita com a vacina, e não há variante Delta ainda e o país era um exemplo.

Segundo notícia dada por diversos centros de informação de imprensa (entre eles a AFP) esta correlação não é verdadeira porque o número de mortes não é proporcional a infecção, e entre os infectados e mortos são principalmente não há vacinados, disse a médica chilena Vivian L. Farias.

Outro aumento foi na Rússia, 20 mil casos novos, sendo 7.916 em Moscou, o maior número de casos confirmados num único dia desde 24 de janeiro, quando a vacinação não tinha se iniciado, as autoridades atribuem este aumento a variante Delta que estaria em alta no país, novas medidas de restrições estão sendo tomadas.

O grande problema lá é também a desconfiança da população, sobram vacinas e nem todos procuram a vacinação, os restaurantes estão pensando em servir apenas pessoas vacinadas e outras medidas neste sentido podem ser tomadas.

A vacinação no Brasil atingirá 70 milhões de vacinados com a primeira dose, a vacina Jannsen começa a chegar ao país, ela precisa apenas de uma dose, é de alta eficácia e em BH os primeiros a receber foram moradores de rua, a Pfizer enviou mais 936 mil doses e chega a 2,4 milhões de doses, 6 mil litros de insumos para a CoronaVac chegaram ao Brasil, dá para 10 milhões de doses.

Em junho, nos primeiros 24 dias, a média de vacinação por dia foi de 1 milhão de doses, porém por causa do aumento da demanda 2ª. dose da AstraZeneca em julho, ela tem um espaço de 12 semanas da primeira dose, a vacinação pode sofrer problemas, é preciso atentar a este aspecto.

Até o dia 20 de junho, o Ministério da saúde havia distribuídos 46,6 milhões de doses da AstraZeneca para a primeira aplicação (fonte uol), entretanto seriam necessários a partir de julho igual número de doses mais aqueles que receberão a primeira dose, assim seria necessário quase dobrar a fabricação mais 21,3 milhões de doses são os cálculos dos agentes de saúde.

A preocupação da Organização Mundial da Saúde com a nova variante Delta que já está em 85 países é o temor que esta nova cepa consiga modificar-se a ponto de driblar as medidas de prevenção, tratamento e vacinas disponíveis, o próprio presidente da OMS acentuou este fato (vários órgãos de imprensa, no Brasil o Correio Braziliense e outros).

 

 

O círculo hermenêutico e a metáfora

25 jun

Somos traídos quando julgamos conhecer e estamos ainda na etapa inicial da interpretação, aquela que ainda não iniciou um processo de epoché, colocar entre parênteses nossos pré-conceitos e iniciar uma verdadeira dialogia.

A metáfora nos ajuda a aproximar usando de linguagem poética uma relação de pertencimento, trazer o mundo a poesia e levar a poesia ao mundo, isto porque o poema projeta um mundo na sua dimensão ontológica, uma realidade que está entre o ver como da metáfora e o próprio ser.

Há além desta função no âmbito da inovação semântica, o desvelar de realidade mais profundas, por exemplo, explicar questões que são complexas de modo a permitir este pertencimento, esta proximidade, é a função por exemplo, das parábolas, a metonímia e a sinédoque.

Exemplos de parábolas mais conhecidas são as bíblicas, associar o Reino de Deus às sementes que crescem sem serem percebidas, ou ao grão de mostarda, uma pequenina semente que se torna uma árvore, isto para dizer que há uma força vivificadora no homem, e em todo homem.

Porém a metáfora, pelo uso de linguagem figurada corre sempre o risco de ficar na superfície.

Exemplificamos na semana passada a passagem bíblica em que Jesus ia para a obra margem do mar da galileia e uma tempestade ameaça a barca e Jesus acalma a tempestade (Marcos 4:35-41), porém a sutileza desta passagem é os significados metafóricos de ir a outra margem e da própria tempestade.

Precisava explicar coisas mais profundas e questionou os discípulos o medo das tempestades, e segue para a outra margem, significando lá um momento mais direto com os apóstolos, boa parte da exegese analítica (ver o post anterior) se fixa numa compreensão imediata que ir para a outra margem significa mudar a rota, quando na verdade além descansar (Jesus dormia na tempestade), as realidades mais profundas eram explicadas diretamente aos apóstolos.

Isto se comprova se verificarmos que depois Jesus retorna “a outra margem” onde volta a encontrar a multidão (Mc 5,21-43), e nesta multidão está além de uma mulher desconhecida que toca o manto do mestre e é curada de uma hemorragia de 12 anos, há um chefe de Sinagoga chamado Jairo.

Jairo tinha a filha nas últimas, e enquanto se encontrava com Jesus pedindo que impusesse as mãos na filha, chegam amigos de Jairo, que dizem que ela faleceu e Jesus diz que ela “apenas dorme”, vai a casa de Jairo e realiza o milagre pronunciando as palavras “Talitá cum” (na foto quadro pintado por Benito Sáez Garcia), menina levanta-se.

Esta sutileza, uma pessoa comum e um chefe da sinagoga, mostra bem claro que na “multidão” se encontram também autoridade religiosas que querem sinais (os judeus querem sinais e os gregos sabedoria) e assim a metáfora é complementada com “sinais” e uma “sabedoria” inerente a Jesus.

 

O que é compreender

24 jun

Compreender se tornou na estrutura analítica ocidental um círculo vicioso que tende apenas a repetir aquilo que considera verdade partindo de algum aforisma histórico, o que Gadamer chama de historicismo romântico em sua crítica a Dilthey.

O esquecimento do ser ignora que o círculo hermenêutico que vai da interpretação até uma nova compreensão é a própria estrutura de um novo sentido, um sentido existência, que está no Ser.

Assim a circularidade da compreensão não é primeiramente uma exigência lógica, a partir de um método A ou B, mas o próprio desdobramento ontológico: “a reflexão hermenêutica de Heidegger tem o seu ponto alto não no fato de demonstrar que aqui prejaz um círculo, mas um círculo este tem um sentido ontológico positivo” (GADAMER, 2013, p. 355).

Heidegger (2014) em sua obra magna Ser e Tempo elaborou uma hermenêutica da facticidade a partir da analítica temporal da existência humana (Dasein), aqui facticidade é o modo de ser em seu Dasein que encontra, na existência temporal, a possibilidade de revelação, de clareira:

“A estrutura da temporalidade aparece assim como a determinação ontológica da subjetividade. Mas ela era mais que isso. A tese de Heidegger era o próprio ser é tempo” (Gadamer, 203, p. 345), eis a essência mais profunda da obra de Heidegger, que aponta para o círculo hermenêutico:

“O decisivo não é sair do círculo, mas nele penetrar de modo correto. Esse círculo do entender não é um círculo comum, em que se move um modo de conhecimento qualquer, mas é a expressão da existenciária estrutura-do-prévio do Dasein ele mesmo. O círculo não deve ser degradado em vitiosum nem ser também tolerado. Nele se abriga uma possibilidade positiva de conhecimento o mais originário, possibilidade que só pode ser verdadeiramente efetivada de modo autêntico, se a interpretação entende que sua primeira, constante e última tarefa consiste em não deixar que o ter- prévio, o ver-prévio e o conceber-prévio lhe sejam dados por ocorrências e conceitos populares” (Heidegger, 2014, p.433), mas dirigir-se as coisas mesmas.

O compreender visto assim pode parecer filosófico demais ou uma teorização sobre o pensar, não o é, pois, mesmo no esquecimento do Ser, estrutura atual de fragilidade do pensamento, este é o processo de aprendizagem que envolve desde o aprendizado da linguagem por uma criança até os mais elaborados métodos de descoberta e inovação, ou são apenas repetição de algo já feito, e assim sem a facticidade, pois é mera repetição.

 

GADAMER, H-G. Verdade e método Trad. Flávio Paulo Meurer, revisão da tradução de Enio Paulo Giachini. 13. ed. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2013.

HEIDEGGER, M. Ser e tempo Tradução, organização, nota prévia, anexos e notas de Fausto Castilho. Campinas, SP: Editora da Unicamp; Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2014.

 

O conhecimento e o fazer

22 jun

A sociedade que vivemos é uma sociedade do desempenho, assim a chama Byung Chul Han que fez seu doutorado em Heidegger, é uma sociedade do fazer, mas não do saber-fazer.

Recordar “velhos teóricos”, endeusar teorias antigas que tiveram um funcionamento temporal determinado constitui o ocaso e a crise da filosofia, do pensamento não, porque o homem enquanto Ser é capaz de desvelar e descobrir, mas há um esquecimento do Ser.

O conhecimento não fechado em lógicas, com abertura e possibilidade de novas descobertas é o movimento constitutivo do tempo, não há algo totalmente compreendido e acabado, ele é constitutivo daquilo que acontece no tempo, e ele é que está sujeito a história, é um saber prático e da vida, um Lebenswelt como o chamava Husserl.

Heidegger partiu daí com influência direta de Husserl, o significado de sua Fenomenologia, supõe esta abertura para que se vejam as coisas como se manifestam, princípio do saber.

Assim não há algo compreendido, acabado, o que há é uma compreensibilidade num constante devir, implicando num saber prático, um saber-fazer mais do que objetivo de ciência, deve ser o fundamento de todo ato compreensivo como aquele que busca o conhecer.

A abertura essencial não é para a consciência hermenêutica como vista por Heidegger um ato primeiramente racional, é uma disposição afetiva, uma das estruturais existências do ser-ai, se mostra que compreender é sempre um compreender afetivamente, no sentido de “afetar”.

Segue-se ao afeto a interpretação, mas o que é interpretar aqui senão revisões e elaborações de sentido, postas em movimento, assim interpretação é para Heidegger:

“A interpretação de algo como algo funda-se essencialmente por ter-prévio, ver-prévio e conceito-prévio. A interpretação nunca é uma apreensão sem-pressupostos de algo previamente dado […]” (HEIDEGGER, 2014, p.427).

Um dos problemas filosóficos centrais de Heidegger é a questão acerca das possibilidades da linguagem, é a partir dela que o Ser elabora sua visão de mundo, da qual não pode escapar, ela que nos possibilita compreender o mundo, ela que elabora o ser-no-mundo.

Ser no mundo que implicaria num saber-fazer depende da visão de mundo, empobrecida e obscurecida pelo desempenho, pela exigência de eficiência e pela má articulação com o tempo.

HEIDEGGER, M. Ser e tempo Tradução, organização, nota prévia, anexos e notas de Fausto Castilho. Campinas, SP: Editora da Unicamp; Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2014.

 

A angustia e o temor diante da existência

17 jun

O traço constitutivo do Dasein, em Heidegger está além do fenômeno psicológico e ôntico, não sendo algo que se refere somente a um ente ou a algo dado, nos remete a totalidade do ser como um ser-no-mundo, isto é sua verdadeira dimensão ontológica, nela se explica a angustia do Ser.

A categoria surgiu com Kierkegaard porém para ele a angústia revela o nosso ser finito, o nada de nossa existência diante da infinitude de Deus, por seu caráter eterno, ao passo que Heidegger não pensa apenas como categoria ontológica tornando-a apenas um fenômeno da finitude humana.

Preso a finitude humana é que encontra-se em Heidegger a diferença entre angústia e temor (furcht), mas na obra Ser e tempo o temor também é uma existência fundamental mediante o qual o homem se encontra no mundo (Heidegger, 1989) e isto torna a angustia um estágio suave.

Já o temor constitui para o autor uma disposição anima forte [Befindlichkeit] é ela que nos remete a algo que tememos e com isso se manifesta o todo do mundo, em sua estranheza e assombro, ela é o que acontece antes que possamos realizar um ato de conhecimento do mundo.

Há nela uma força de revelação do mundo, mesmo que num primeiro momento seja só fuga, nela por exemplo a alegria ou a felicidade, explica o autor são muito transitórios e menos marcantes, este ser-aí encontra-se lançado [geworfen] em meio a estados de ânimos, capaz de suportar o peso da existência, e nela “O humor torna manifesto ‘como a gente se sente’. Neste ‘como a gente se sente’ o estar disposto traz o Ser em seu estar-aí” (HEIDEGGER, 1986, p. 134).

Dito de forma mais precisa, ou mais de acordo com o pensamento de Heidegger, o medo é uma disposição central na nossa existência pelo fato de que manifesta o mundo no ator de fuga do ser-aí de si mesmo, mesmo sendo o homem o tema objetivo de Heidegger e Kierkegaard, o endereço últimod e ambos é o temor não como um objeto fora dele, mas sim ele mesmo: o homem somente teme por algo determinado porque em última instância ele é afetado e interessado.

Faço uma digressão porque o estar “fora” para o mundo contemporâneo, Byung Chull Han e Hanna Arendt retomaram de forma diferente o “estar dentro” na “vitta contemplativa”, em Heidegger o medo se volta para quem teme e não para o que teme, em Kierkegaard o temor é a Deus, porém já em período do idealismo projetado sobre o mundo, não como um Ser “fora”.

O importante no discurso heideggeriano é que consegue estabelecer três formas de medo: o diante do que [wofür] tememos algo, o que nos ameaça (as dificuldades da co-presença), o próprio temer [fürchten] enquanto tal, que abre para nós o mundo (as esferas de Sloterdijk ajudam esta reflexão), e, e o porquê [worum] nós tememos, que é o nosso próprio estar-aí. 

Por fim, o temor pode ter variações: ele pode ser o que é assustador; pode ser o horror e também a decepção” (Heidegger, 1986, p.142), porém a diferença entre medo e temor ajudaria a separar melhor a categoria de Heidegger de Kierkegaard, que temor é de algo “maior”.

HEIDEGGER, M. Ser e Tempo Traduçăo de Márcia de Sá Cavalcanti. Petrópolis: Vozes, 1989.

 

O ser em sua autenticidade

16 jun

A incursão de Heidegger sobre o que é a vida social, é que ela é regida por uma noção obscura do que seja convivência, onde não há sujeitos e sim um império do impessoal, do império que a tradução para o português fica muito boa, império do “a gente”, é uma sociabilidade truncada, não é apenas o individualismo, mas um lugar onde nem o eu nem o nós se distinguem.

Este espaço individual é aquele que tudo nivela por baixo, uma perda do Dasein no espaço aberto da “opinião pública” (Öffentlichkeit]), uma sociabilidade truncada, até o nós não inclui o Outro.

Neste estar aí do Dasein em que medida ele lida com outras pessoas do seu meio ambiente cotidiano, para isto Heidegger dá um passo na determinação da analítica existencial, que é responder como o mundo se abre para o Dasein, independente se seja o mundo de coisas ou de homens, isto pode ser compreendido por como ele vê a abertura para o mundo.

A vê como como uma abertura primeira e fundamental de modo triplo: a disposição, a compreensão e a interpretação, entendendo que isto o torna envolvido com o mundo.

Então primeiro o ser humano é tomado por estados da alma que abrem para ele irrefletidamente o mundo, geralmente por meio de um certo desvio, uma disposição, compreende o mundo não como uma teoria ou conceitos, mas como o próprio Dasein está com-preendido numa situação.

Assim a disposição torna-se compreensão, mas não é o homem que compreende o mundo e sim o mundo compreende o homem de modo totalizante, onde o ser humano inteiro é compreendido e isto o remete ao conceito de projeto (Entwurf) num sentido essencial: ele é projetado no mundo.

Este projeto dá ao homem possibilidade de interpretação, e só então consegue traduzir o mundo no discurso e na linguagem, tendo em vista que a proposição e o enunciado sempre implicam em um momento posterior na existência do Dasein.

São estas aberturas ao mundo no discurso e na linguagem, porém que devem levar em conta a proposição e enunciado como implicando um momento, sempre posterior, na existência do Dasein, porém a tendência de encobrimento no Dasein é sempre forte para que se torne livre.

Este traço fundamental de encobrimento e de fuga de si mesmo se fazer valer e determinar o ser-no-mundo do ser-aí (Heidegger, 1989) põe a questão sobre a possibilidade do ser-aí sair de sua inautenticidade.

HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. Tradução de Márcia de Sá Cavalcanti. Petrópolis: Vozes, 1989