Arquivo para janeiro, 2017
Os aliados e a comunidade insuflada
Continuamos a comentar o livro Esferas I de Sloterdijk em sua introdução.
Explicada a insuflação das bolhas, Sloterdijk começa a desenvolver sua análise da modernidade a partir da gênese, explorando o modelo copernicano que está na sua origem, para afirmar que não por acaso “principiou uma série de rupturas exploratórias voltadas para um exterior desprovido de seres humanos …” (Sloterdijk, 2016, p. 22), mas que não deixaram de “produzir desconforto quanto a infinitude do universo” (idem) reflexão do astrofísico Kepler, protestando o modelo de Giordano Bruno “há um não-sei-o-que de aterrorizador e oculto”.
A imagem de uma explosão na superfície do Sol, maior que a Terra ilustra este trecho.
O autor também cita o físico e cosmógrafo inglês Thomas Digges, que nos anos 1570 já havia provado que a teoria das camadas celestes era infundada e “também a calculadora imagem de que a Terra achava-se envolta por abóbadas esféricas” (pag. 23) estava errada, mas conforme disse usando a frase de Pascal: “o silêncio eternos dos espaços infinitos me amedronta”, e o mundo maquínico e racionalmente explicado era vantajoso ao iluminismo.
Desenvolve então o deliberado efeito estufa, onde sua “falta de invólucros espaciais por meio de um mundo artificial civilizado … este o derradeiro horizonte do titanismo técnico euro-americano” (pag. 25).
Após criticar as políticas de progresso e destruição ecológica, escreve: “ Para abrir espaço à esfera artificial substituta, faz-se explodir, em todas as regiões do velho mundo, os restos de uma fé no mundo interior e na ficção de uma segurança, em nome de um radical iluminismo de mercado que promete uma vida melhor, mas que, num primeiro momento, só põe abaixo, de forma devastadora, as normas imunitárias do proletariado e das populações periféricas.” (pag. 27).
Ressalta a importância da retomada ontológica e que esta é a preocupação de filósofos mais contemporâneos: “O plano popular de esquecer-se de si mesmo e do Ser opera por meio de um zombeteiro descaso pela situação ontológica” (pag. 28).
Antes de entrar na critica ao idealismo e uma releitura do cristianismo, ele aponta na página 29 aquilo que é o centro do livro: “como habitar significa sempre constituir esferas, menores ou maiores, os homens são as criaturas que estabelecem mundos circulares e olham em direção ao exterior ao horizonte.”
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: bolhas. São Paulo: Estação Liberdade, 2016
A comunidade insuflada
O livro na tradução brasileira de Esfera I – Bolhas, saiu aqui em 2016, na Alemanha em 1998 (Spheren I: Blasen), fala na Introdução da inspiração para bolhas, mas o título todo é: OS ALIADOS ou a Comunidade Insuflada (a maiúscula é do autor), mas eu inverti a análise para seguir como o autor escreve.
O título tem várias inspirações esféricas, mas a mais importante é o quadro de G.H. Every, de 1887, Bubbles, uma tela a óleo de Sir John Everett Millais (1829-1896), onde o autor fala do balão oval feito pelo seu “insuflador” e no tempo que de vida de uma bolha, acompanha-a vida que deixa escapar até que estoure “ao mesmo tempo um suspiro e uma exclamação de júbilo”.
A bolha, o objeto criado e seu “insuflador vigora uma solidariedade que exclui o resto do mundo” (Sloterdijk, 2016, p. 20), e “existem conjuntamente em um campo tensionado pela simpatia atenta” (idem).
Mas aos poucos ele vai delineando o objetivo desta metáfora, “a criança que segue suas bolhas de sabão no espaço aberto não é um sujeito cartesiano aferrado a seu locus pensante sem extensão, a observar uma coisa extensa em sua trajetória no espaço” (ibidem), num referencia clara à dicotomia cartesiana entre a coisa e a coisa extensa (res extensa).
Assim levanta seus primeiros questionamentos: “e o que sucede com quem não é o sopro de ninguém? Toda vida que emerge se individualiza, estaria ela enquanto tal contida em um sopro solidário? ” (Sloterdijk, 2016, p. 21), o autor vai para a pergunta de Schopenhauer: “é legítimo pensar que tudo o que existe e é tematizado estaria envolto do cuidado de alguém?” (idem).
A pergunta a que pretende chegar é referência a Heidegger: o que queremos dizer quando dizemos que estamos no mundo? mas a atualiza e reformula-a usando a questão da necessidade: “De fato, é conhecida a necessidade (Schopenhauer denominou-a necessidade metafísica) de que tudo o que pertence ao mundo ou ao ente em seu todo esteja contido em um sopro, como em um sentido indelével. Pode ser essa necessidade satisfeita? Pode ser justificada?” (Sloterdijk, 2016, p. 21).
Antes de chegar ao ponto central de seu delineamento, a modernidade, fará a pergunta que é uma referência direta ao Tratado lógico-filosófico de Ludwig Wittegestein: “Quem primeiro concebeu a ideia de que o mundo não seria absolutamente nada mais que a bolha de sabão de um alento que tudo engloba? A qual exterior pertenceria, então, tudo o que é o caso?” (idem).
Está delineada a questão da modernidade e os SEUS ALIADOS, que por isso deixei-a para depois.
SLOTERDIJK, Peter – Esferas I: Bolhas, São Paulo: Ed. Estação Liberdade, 2016.